tag:blogger.com,1999:blog-203102562024-03-13T22:41:09.094-03:00Filosofia CrônicaMarcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.comBlogger171125tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-67358561137069177872015-11-10T10:47:00.002-02:002015-11-10T10:48:06.979-02:00O que te faz infeliz?<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; page-break-before: always; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif; text-indent: 0.7cm;">Uma
coisa que percebo nessa geração de deprimidos é que eles se cobram
muito, tanto produtividade quanto identificação, essas são as duas
maiores ciladas.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">A
gente vive num lugar e época em que o grau de liberdade é
potencialmente enorme, muitos podem ter a religião, formato,
filosofia de vida e trabalho que quiser, no entanto não se permitem
escolher ou ficam à deriva nesse mar de possibilidades, é aí que
entra a cilada da identificação.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">Talvez
pela sensação de solidão, por querer pertencer a algum grupo e ter
legitimidade e apoio em suas escolhas, as pessoas caem na
identificação. É uma coisa muito adolescente, por sinal. Que tribo
é a sua? Qual pertencer? E, onde entra a maior cilada: <i>qual a
mais certa e a mais feliz?</i></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">Não que não seja importante
ter amizades, pessoas que compartilhem ideias, crenças com a gente,
o problema é querer pessoas <i>idênticas</i> a nós e nisso tentar
ser <i>idêntico</i> a alguns outros (essas são as mesmas pessoas,
por sinal, que farão de tudo para adequar os outros, que considera
mais imperfeitos que elas, ao seu próprio sistema). E, pior ainda,
depositar nessa crença da identidade que assim será mais certa e
mais feliz. O que tenho que fazer igual ao outro para ser feliz? Que
modelo eu devo repetir? Aí começa uma jornada em busca de uma
certeza e felicidade que nunca chega, porque a felicidade é
justamente o oposto disso. </span>
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">Felicidade não é ser igual ao
fulano ou à fulana bonita, forte, talentosa e produtiva, não é o
sistema de crença nem o formato de vida que você idealizou no outro
como mais perfeita que a sua. Felicidade é encontrar a si mesma, os
seus próprios gostos, a sua identidade (que é, de alguma maneira,
única). Você tem que se aceitar. Você não vai ser Van Gogh, você
vai ser você, assim como Van Gogh foi ele mesmo e não os outros
pintores que fizeram um baita sucesso em vida, ainda bem, né?</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">Isso tudo requer humildade pra
perceber que você não é uma deusa onipotente que sabe todas as
verdades e caminhos certos da vida e também você não vai ser a
Beyoncé. Quem sabe finalmente você irá notar que as pessoas,
todas elas, não só seus ídolos, têm talentos, são importantes.
Seja por jardinarem bem, por amarem bem, ou lutarem bem, ou fazer
rir, ou cuidar bem, enfim, cada pessoa tem seu próprio talento,
jeito e ritmo. E todas são dignas de amor.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">A vida não é como fizeram
crer na escola e no sistema capitalista: um só jeito de ser adulto,
um só jeito de ser bem sucedido, um só jeito de ser inteligente, um
só jeito de ter talento, uma só resposta certa e um só ritmo, se
não você errou e não merece carinho. Não que não exista verdade
ou certo, moralmente falando. Mas não existe modo de viver a vida
mais verdadeiro ou certo que outros.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">Se tem uma coisa que esses
antidepressivos me ensinaram, rs, é que eu preciso parar de pensar
em outros e pensar em mim. Que minha identidade e a minha vida cabe a
mim construir e não tem comparação. Eu preciso parar de me
perguntar qual a chave da felicidade da fulana e me perguntar qual a
chave da <i>minha</i> felicidade. O que <i>me</i> faz feliz? A
resposta não é instantânea, infelizmente, tenha paciência. E é
importante ter em mente também que qualquer que seja a resposta
agora ela pode mudar com o tempo. Quando criança eu gostava de
calor, agora é o frio que me faz feliz. Saber isso é extremamente
bom, porque assim eu fico menos assustada com a perspectiva de perder
qualquer coisa que me faça feliz neste exato momento: as coisas que
me fazem feliz mudam. Se eu perder alguma delas novas surgem.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">Talvez seja mais fácil
responder: o que me torna infeliz?</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">O que me torna infeliz, eu,
Marcely, são as metas externas. A produtividade que o mundo
capitalista me impôs. Eu preciso do meu próprio tempo, acordar no
meu horário, fazer coisas lentamente ou simplesmente não fazer
quando não quero. É muito complicado me livrar da culpa que carrego
por ser assim, mas estou tentando me perdoar por eu ser eu e não a
funcionária ideal de um sistema injusto e cruel. Engraçado que
quanto menos me culpo e me cobro, mais eu produzo. O problema é que
não dá para chegar nesse estágio simplesmente <i>sabendo isso:</i>
que se eu largar mão eu irei fazer, porque ainda continuarei
mentalizando que <i>preciso fazer</i>. Para isso eu preciso mudar o
meu objetivo, o meu objetivo não é fazer coisas, mas ficar bem,
feliz. A minha felicidade e bem precisa vir primeiro que a do mundo
inteiro, não tem como eu fazer nada pelo mundo infeliz, não é
egoísta querer ser feliz. Esse objetivo é fundamental: eu ser
feliz, saudável, em paz em primeiro lugar. Primeiro ponha a máscara
de oxigênio no próprio rosto, depois no rosto das crianças.</span></div>
<br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 0.7cm;">
<span style="font-family: "urw gothic l" , sans-serif;">Mas essa é a minha resposta,
qual a sua? O que te faz infeliz?</span></div>
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-43795147231069431182015-02-22T23:50:00.001-03:002015-02-23T19:23:08.552-03:00SentidoTalvez seja um problema meu ou da mente humana que não pode viver sem Deus.<br />
Morto Deus sobra nós - certa megalomania ou narcisismo, pois Deuses têm poder sobre o mundo, têm controle. A gente é parte do mundo, a gente é nada.<br />
A vida inteira a gente sofre na busca de sentido. Ou na tentativa de ignorar que não há nenhum sentido.<br />
Aqueles que não têm coragem de enfrentar a morte em vida - ou a morte na morte -, (incluo eu), tentam se apegar a qualquer resposta ou auto-engano. Mudo eu, mudo os outros, mudo o mundo, amo... tudo o que puder me aderir ao mundo e fazer parte dele. Mesmo que tudo indique que o melhor seria desistir.<br />
Qual o sentido de viver a dor? A alegria compensa a dor? A efemeridade, a curteza de tudo isso... e tanta dor, tanta dor.<br />
A gente enche a cabeça de motivação, a gente se entope de mundo. Pra não encarar que a gente vai sofrer, nada fará assim muita diferença e a gente vai morrer e o mundo continuará girando. Não que eu queira que ele pare porque eu morri! Mas nada faz diferença. A dor está lá e você pode abafar os gritos. Mas vai tudo continuando... e você se convence que se a gente tiver um mundo ideal... sem injustiças... Mas, veja só, no mundo ideal as pessoas se matam de tédio.<br />
A arte. Você pensa na arte. Mas a arte é tão dolorosa... Outro artifício, auto-engano de gente que recusa a morte. A morte ta ali mesmo assim.<br />
Eu queria uma desculpa para não ser hedonista. Mas não tem. A única coisa é que o prazer é curto e inútil e esconde uma dor que grita no seu ouvido o tempo todo, você tenta se distrair e ela chamando sua atenção. O hedonismo é desistir e esperar morrer. E dói. Mas é o que sobra. É o que tem.<br />
Sobra rir cínica. Ver todo mundo correr enquanto estou parada. E ter prazer nessa ridícula vaidade. Enquanto der. E gozar com minha dor. E morrer quando for pra morrer.Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-64274631727495926912015-02-22T23:04:00.001-03:002015-02-22T23:04:23.878-03:00Talvez seja uma coisa meio egoísta e controladora não deixar as coisas serem como elas são.<br />
O mundo, as estrelas, tudo girando a toa...<br />
Algumas pessoas sofrem demais, outras de menos<br />
Tem gato, tem beija-flor, tem lagartixa<br />
Tem gente<br />
Que diferença faz tudo isso?<br />
Essa coisa gratuita que é a gente sofrendo<br />
Dá vontade de rir até, é tudo tão bobo<br />
Porco comendo rabo de porco porque é criado em cativeiro<br />
A gente fica inventando essas coisas e filmando e dizendo pra se importar<br />
Quem se importa?<br />
O porco morre<br />
A gente come<br />
A gente caga<br />
Nada acontece<br />
Era feijoadaMarcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-82686890491797562352015-02-22T11:31:00.003-03:002015-02-23T19:21:37.211-03:00Sobre ser uma iceberg humanaA minha cabeça é um tumulto de pensamentos e às vezes eu só consigo dizer de relance uma coisa sobre a qual tem muito mais a ser dito.<br />
Às vezes digo algo que as pessoas podem interpretar de mil maneiras porque é difícil colocar na escrita toda essa montanha de coisas que quero dizer e digo só uma parte. Às vezes minha escrita está para os meus pensamentos como um iceberg está para os olhos humanos: só é visível a ponta. E tem essa massa enorme de coisas por baixo que eu só consigo mostrar um vislumbre e eu sei que está lá, mas só é distinguível pra mim e outras pessoas que talvez estejam acostumadas com a natureza dos icebergs.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://ytimg.googleusercontent.com/vi/uFBF-mPNLqQ/0.jpg" frameborder="0" height="266" src="http://www.youtube.com/embed/uFBF-mPNLqQ?feature=player_embedded" width="320"></iframe></div>
Ontem eu disse que para os íntimos eu sou uma bruxa descontrolada e sanguinária, para os distantes uma santa, uma fofa incapaz de ferir uma formiga. E sempre que penso nisso eu lembro dessa música (I'm a bitch, i'm a lover, i'm a child, i'm a mother, i'm a sinner, i'm a saint) e, mais do que isso, lembro de como isso está intimamente ligado com o fato de ser mulher numa sociedade machista.<br />
Assim como a mulher da música (e acho que a Dworkin fala sobre isso), nós mulheres sempre somos interpretadas de maneira a caber em um estereótipo ou de santa, ou de pecadora, ou de bruxa, ou de princesa. Acontece que, como seres humanas, nós não cabemos nesses estereótipos, nós somos muito mais complexas que isso. E isso pode confundir a nós mesmas e aos demais.<br />
Quem nunca ouviu que é louca? Que pra entender a gente precisa de um manual? A mulher dessa música e eu com certeza ouvimos.<br />
E às vezes só nos resta aceitar que, por não nos rendermos a um estereótipo, nós somos os dois extremos e não somos "o meio termo".<br />
Mas a verdade, às vezes fico pensando, é que isso não é loucura nossa, nem uma característica de ter muitos hormônios nem de sermos excêntricas (na verdade, não tem nada de excêntrico nisso, muito pelo contrário). Isso é ser humana. É não ficar calada na hora da raiva e nem por isso deixar de ser gentil e amorosa. É ser inteligente e também vaidosa e gostar de jogar conversa fora sobre bobagem. É ter muita raiva, mas também derreter de amor por causa de um gatinho. É se entristecer com as dores da vida, mas também sorrir por causa dos momentos de alegria.<br />
Às vezes, como a mulher da música, eu vou "odiar de hoje", afinal "as pessoas são tão boas comigo" (principalmente o homem, que tem que ser "forte" pra "aguentar" ela) e eu continuo decepcionando as pessoas por não caber num estereótipo que elas fazem de mim.<br />
Mas por uma rebeldia, uma intuição, por mais que em alguns momentos eu me veja controlada por esses estereótipos, em algum momento eu vou gritar e dizer: quer saber? Eu SOU ASSIM. Eu sou assim e não me envergonho disso.<br />
<br />
<br />Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-33774773736204086172015-01-18T05:47:00.002-02:002015-01-18T05:54:42.077-02:00As mulheres e a auto-mutilação Vi outro dia essa notícia sobre uma indiana que estava em greve de fome por 14 anos, para protestar contra o sistema em que vivia e fiquei pensando nesse assunto. Lembrei da História do Feminismo da Nuria Varela, em que ela contava que muitos dos protestos pacíficos foram uma invenção feminina (ou feminista) e fiquei pensando nisso, na greve de fome e como ela é uma forma de auto-mutilação, assim como são os transtornos alimentares e os cortes auto-infligidos.<br />
Muito da auto-mutilação vem de uma agressivdade mal direcionada. Em vez de ela fluir para o alvo da nossa indignação ou raiva, ela se volta para nós. E sendo nós mulheres, socializadas para engolir nossa raiva, e para carregar nos ombros toda a culpa cristã, é natural que a auto-mutilação seja comum entre nós. E não sei se com isso quero dizer que está errado o pacifismo por inteiro ou fazer greve de fome. De fato, nossa raiva nem sempre pode ser bem direcionada. É difícil lidar com essa energia, entre nós. Ainda não encontramos o equilíbrio entre sentir e armanezar ódio e rancor e a auto-punição ou simplesmente sentir raiva. Lembro quão cedo comecei a me auto-mutilar: eu ainda era criança, discuti com a minha mãe, eu nem lembro por quê, mas me sentia tão culpada que esfreguei os nós dos dedos no tanque de pedra até ficarem em carne viva. E até hoje (inclusive agora), nos momentos de culpa ou raiva fico na cama fantasiando formas de auto-mutilação. Acho que é por isso que às vezes fico pedindo menos rigor... acho que é um pedido para mim mesma de perdão: você não merece sofrer, apanhar, morrer por isso. Fico falando é pra mim mesma, num processo de auto-convencimento.<br />
Acho que precisamos refletir um pouco sobre tudo isso, sobre nossa forma de sentir e externar a raiva e como canalizamos nossa agressividade. E fica a pergunta sobre o pacifismo: seria energia mal-canalizada? Será que se canalizássemos essa agressividade de forma direta, não seria bom não só pra nós mesmas como também para alcançar os nossos objetivos?Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-20167572539453704712015-01-01T11:34:00.000-02:002015-01-01T11:34:00.495-02:00Sobre humor e rir das desgraças Eu curto aquele humor que chamam de negro (eu chamo de mórbido/sarcasmo) e eu concilio ele com minha militância perfeitamente e acho que aqui nós temos humoristas muito idiotas que acham que esse tipo de humor é o mesmo que ser ofensivo e politicamente incorreto e eu discordo profundamente disso.
<br />
Meu humorista brasileiro favorito, por exemplo, é Machado de Assis (bom, o amor da minha vida é Machado de Assis). Ele representa o meu senso de humor: eu rio da ironia e do absurdo da vida, da morte, da infelicidade, do fato de sermos ruins, do meu niilismo eu gosto do sarcasmo e da ironia.
<br />
Dizem que ele, o Machadinho, se inspirava nos autores ingleses ou norte-americano, não sei qual dos 2 (se alguém souber quem avisar nos comentários que queria ler, pois já li e reli Machado de cabo a rabo). E faz sentido pra mim, pois vejo nos seriados e filmes desses lugares muito desse tipo de humor que eu dificilmente vejo ser bem trabalhado aqui sem descambar pro ofensivo (e bem que mesmo lá direto e reto esse limite é ultrapassado, afinal a linha é tênia~).
<br />
Não to falando isso só por complexo de vira-lata, mas pq cada lugar tem um tipo de humor mesmo, e no caso eu gosto desse. Talvez até por causa do contexto de globalização, enfim.
<br />
Outra coisa que acho que as pessoas aqui não entendem é a diferença entre estereótipo enquanto caricatura e estereótipo enquanto preconceito, coisa que vejo muito usada nesse tipo de humor. Tipo o que faz <a href="http://zambininha.blogs.portalvox.com/">Zambininha </a>com o estereótipo de ativista, eu acho genial.
<br />
Acho o estereótipo um artifício muito legal no humor, porque, como uma caricatura, permite a gente ver (em proporções absurdas e por isso é engraçado) nossos exageros, nossas falhas, o nosso absurdo.
<br />
Tava assistindo, por exemplo "Don't Trust the B---- in Apartment 23", uma série que tem no netflix e ela faz uso muito desse tipo de humor e de estereótipos. Aliás, qual comédia não faz uso de estereótipos? Mas esse de estereótipos bem negativos. As personagens são bastante babacas e falam coisas absurdas. Tipo o cara que diz pra uma menina que disse sofrer bullying: "que bom pra vc, o bullying ta super na moda agora!". Na narrativa fica explicado que ele é um cara super egoísta e superficial, sem empatia, mas você ri do absurdo que é alguém ser assim e continua sua vida.
<br />
Eu gosto disso, acho consolador pra quem é, pra usar uma expressão que gosto muito de memórias do subsolo: morbidamente consciente. Se você tem muita consciência das coisas, elas te machucam muito, e o humor é uma ótima fuga pra poder rir do que te fere. É como um analgésico: a ferida continua lá, mas por um momento ela para de doer. É um alívio. É mais que um alívio porque, de repente, em vez de doer ela te dá algum prazer.
<br />
Mas tem muita gente que não entende a ironia ou sarcasmo por trás disso, que não consegue rir disso, ou acha que as personagens da ficção tem que ser todas legais, perfeitas e bacanas e por mim ok, também, você ri do que quiser. Mas dizer que é errado já discordo.
E sei que muitos dizem: mas se fosse ofensivo pra você, você não riria. Na verdade, eu rio muito de mim mesma. Existe aquela expressão "ainda vamos rir muito disso um dia", é assim que funciona comigo, eu rio de coisas bastante tensas na minha vida, é como consigo lidar.Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-36822875555452411852014-12-31T11:42:00.000-02:002014-12-31T11:42:00.474-02:00Sobre caridade e sonhar com o paraíso Outra coisa que noto sobre ter sido criada como evangélica num mundo não evangélico é a forma como muita gente não se importa em ajudar os outros/não têm isso como um hábito. Mas, ainda acho que isso tem muito mais um recorte de classe (gente que sempre foi rica em geral às vezes tem até um discurso igualitário ou de esquerda, mas na prática faz pouco ou quase nada pelas pessoas individualmente). Não que eu seja uma pessoa que acha a “caridade” a coisa mais linda do mundo – não, eu não acho. Caridade sem consciência de classe, sem luta anti-capitalista ou com elitismo é um troço bem inócuo, manutenção do status quo e acariciador de ego, na verdade. Mas eu acho que também ter discurso igualitário e ignorar morador de rua sempre, não doar uma roupa, não fazer um favor é bastante incoerente e coisa de quem nunca precisou de ajuda. E não significa que eu sempre ajude os outros e nunca seja uma pessoa egoísta. Mas que tento ajudar os outros sempre que possível, abro mão do meu conforto pra ajudar outra pessoa sempre que possível, nem sempre é possível, às vezes a gente que tem depressão é bem egocentrada e não quer “ver” nem“falar” com ninguém, tem medo de falar com estranhos, ou de sair, ou só consegue ter tempo para a própria dor e impotência. Mas ainda assim, eu tento. Tem gente que nem isso.
<br />
Gente que tem apego por coisas tipo livros, brinquedos de infância, roupas, isso me deixa meio puta da cara, pois sou essa pessoa que quando pequena viveu uma vida melhor graças a me doarem essas coisas, então eu retribuo e sei o quanto essas coisas, a curto prazo, fazem diferença na vida de alguém, “enquanto a revolução não vem”.
<br />
Então é algo que admiro nas igrejas esse tipo de coisa. É assistencialista, mas quem precisa de assistência agradece. Eu acho necessário as pessoas não só idealizarem e teorizarem sociedades perfeitas. As pessoas deviam buscar ajudar umas às outras como vejo acontecer nas igrejas, por exemplo: minha prima só conseguiu casar como queria porque doaram o vestido de noiva. Meu primo ganhou uma casa e mobília pra morar com a esposa (a casa o locatário não pede aluguel, a mobília a igreja se mobilizou pra comprar). E essa gente que faz isso não é nem super rica, é gente que apenas vê outra pessoa necessitando e tenta ajudar a medida do possível. Na igreja da minha mãe as pessoas ajudam muito umas as outras e não é à toa que tanta gente pobre acaba indo pras igrejas e essas igrejas estejam presentes em tudo quanto é periferia: porque as pessoas precisam e porque as pessoas ali sabem que têm com quem contar. Infelizmente, existe toda a intolerância religiosa, a homofobia e o racismo, o que acaba massacrando a cultura, a história e a vida das minorias que vivem nesses lugares, como a gente sabe. Mas essas pessoas só buscam por isso porque existe esse outro lado da moeda: a esperança e o fortalecimento dos laços comunitários. Acho que é algo que a gente poderia aprender com essas instituições e continuar se esmerando em ofertar, para que justamente as pessoas não fiquem presas a esse tipo de instituição e sofram com o lado negativo delas (que eu acho imenso).
<br />
E o sonho com o paraíso também é algo que ficou marcado na minha vida. Evidente que todo mundo, crente, descrente, todo ser humano, enfim, tem essa necessidade de redenção, de um sentido pra vida dela. Mas pra mim isso ficou em forma de: as pessoas em algum momento deveriam ter “um final feliz”. Algum momento todo esse sofrimento, dor, angústia, devia acabar e as pessoas deviam ser felizes.
<br />
Felizmente (ou não), eu não sou mais crente, portanto eu não acredito que tá ok a gente se foder aqui porque existe um mundo justo depois que todos morrermos. Então isso é que alimenta meu jeito de querer enfrentar e acabar com as injustiças do mundo: eu não consigo aceitar que as coisas sejam assim e não vá haver final feliz pra todo mundo. Eu não aceito jamais, de jeito maneira, nunquinha da silva quando as pessoas dizem “mas sempre foi assim, sempre será”. E eu não to só falando de ideais lindos de acabar com a opressão toda da face da Terra. Eu não aceito que as pessoas sejam cruéis umas com as outras mesmo que não haja necessariamente opressão. Acho ruim enfrentar que “o homem é o lobo do homem” e coisa do tipo. Porque se eu achar que as pessoas são ruins por definição, não vai existir paraíso nunca. As pessoas nunca serão felizes. E eu não consigo conviver com essa ideia.
<br />
Na verdade só consigo pensar que, no momento que eu realmente me convencer que as pessoas são ruins e egoístas inerentemente e não existe meio de termos uma convivência social harmônica, feliz, igualitária, sem opressão e sem crueldade, eu acho que me mato. Porque é isso que me faz seguir em frente, é essa centelha de esperança. Se eu não tiver ela, acho que o melhor que faço pra mim e pelo mundo é mesmo morrer, inexistir.Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-80723255211044950712014-12-30T10:45:00.000-02:002014-12-30T10:45:02.580-02:00Sobre o diabo ser o pai da mentira Se tem uma coisa que me deixa muito ofendida, é suporem que estou sendo desonesta ou manipuladora. Evidentemente que pessoas desonestas e manipuladoras diriam o mesmo e tudo que tenho é minha palavra que, desacreditada, não significa nada. No entanto, fico ofendida justamente porque eu levo uma vida em que escancaro absolutamente tudo sobre mim e tenho certeza que nunca me pegaram numa mentira (no máximo contradições, coisa que acho natural se você é alguém que aceita mudar de ideia, muda com o tempo ou tem noção de contexto).
<br />
Pra entender como funciono, no entanto, acho importante entender que fui criada por uma mulher evangélica, que levava à risca as ideias dessa doutrina. E uma das coisas que crianças evangélicas aprendem é que o diabo é o pai da mentira e a ter medo, muito medo do inferno.
Apesar de não ser mais evangélica, muito pelo contrário, tem coisas dessa minha educação que nunca irão me deixar, e uma delas é um desprezo profundo pela mentira. Outra delas, sobre as quais também quero falar, é um compromisso muito grande e visceral com ser uma pessoa boa (e não por ser boa, mas boa de ter empatia e me preocupar com outros) e ter como objetivo maior da vida um mundo melhor.
<br />
Falo disso porque acho que é uma vivência que pouca gente fora dela entende ou parou pra pensar sobre. É uma perspectiva de mundo muito diferente, um jeito de ser muito diferente, que dificilmente entenderão as pessoas “do mundo”. Esse mundo para o qual saí, mas no qual, devido a essa educação diferente, sempre me sentirei meio estrangeira.
<br />
Diz minha psiquiatra que a base dos meus problemas é esse: a religião e a forma como isso deixou em mim a sensação de ser estrangeira. Não me encaixo lá, não me encaixo aqui. Sou, de fato, uma pessoa estrangeira. Apesar de me esforçar, nem sempre sou suficientemente mundana, mas dentro dos meios evangélicos tampouco eu sou evangélica. E por mais que eu tenha deixado minha infância, a igreja, essas coisas não deixaram de habitar a minha vida e de fazerem parte dos meus conflitos.
<br />
A coisa é que, graças a tudo isso, boa parte da minha ética se baseia no imperativo categórico, que é, traduzindo: não fazer com os outros o que não quero pra mim mesma, acreditar que o mundo não funciona se houver quebra de confiança.
<br />
Sendo assim, eu fico muito admirada sobre como é comum as pessoas que foram criadas fora dessa bolha, mentir ou trair. As pessoas – e isso realmente me choca, ou pra usar uma expressão evangélica e moralista: me escandaliza – traem e mentem o tempo todo. É a isso que as pessoas “do mundo” estão acostumadas e é com base nisso que levam a vida, inclusive mentindo e traindo, “afinal quem não mente ou trai?”.
<br />
Eu não to falando que evangélicos nunca mentem ou traem. Ou que não existem contextos em que essas coisas acabam sendo inclusive a única saída (pois eu sei que o imperativo categórico tem falhas). O que eu percebo é que a mentira e a traição são coisas profundamente naturalizadas aqui “no mundo”, coisa que “lá dentro” jamais seria. E também abro parênteses que, né, depende de que igreja pentecostal ou evangélica estamos falando e tudo isso tem um recorte de gênero bem marcado (geralmente só as mulheres se veem obrigada a seguir de fato a bíblia, nas igrejas).
<br />
Por isso me irrita tanto gente “do mundo” inferindo que to de má-fé. Porque essa desconfiança só existe justamente porque... hum, bom, a pessoa é mentirosa, por isso acha que eu também sou manipuladora, mentirosa, estou de má-fé. Afinal é algo que ela faria, ou outras pessoas fariam. Pois as pessoas fazem o tempo inteiro, tipo respirar. É assim que funciona um universo em que as pessoas, por definição, estão mentindo: não existe confiança. Mas no meu universo é inadmissível que assim seja. É inadmissível eu ser assim, é inadmissível que as pessoas sejam assim.
<br />
Em geral, eu espero das pessoas o contrário: que elas estejam dizendo a verdade. Que elas errem por ignorância, ou que talvez tenha se expressado mal. Porque é isso que eu faço, é assim que eu sou.
<br />
No entanto, eu desconfio de pessoas desconfiadas. Pra mim é uma questão de mão-dupla: as pessoas temem nos outros, aquilo que elas sabem que são capazes de fazer. E fazem.Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-27808260265040323982014-05-13T15:13:00.002-03:002014-05-13T15:14:32.999-03:00Minha experiência com performance de gênero Eu vou dizer pra vocês que entendo pessoas trans como se tivesse sido eu mesma uma um dia, e vocês vão ver como de, alguma maneira, no meu microcosmo, eu fui.
<br> Quando pequena eu fui criada nessa comunidade religiosa cheia de restrições no que se refere aos costumes sociais externos (eu me identifico com amishs também). Lá os gêneros eram bem delimitados, marcados e separados. Tinha o lado da igreja dos homens, o lado da igreja das mulheres, as atividades dos homens (de poder, é claro) e as atividades das mulheres (de cuidado, alimentação e limpeza, é óbvio). Tinha as regras de vestimenta dos homens e a regra de vestimenta das mulheres (na igreja, nós mulheres usávamos véus), os instrumentos musicais que cada um podia tocar era também separado por gênero e era subentendido que a fúria de Deus era muito maior contra a desobediência das mulheres do que a dos homens. Era claro que uma mulher devia se manter virgem, mas homens, bom, Deus entenderia que eles tinham “instintos” e “não sabiam se conter”, não é mesmo? É uma igreja criada na década de 50, e me parece que se manteve por lá, ou antes. É por isso que adorava ler livros do século XIX, eu me sentia mais naquela época do que no presente. A roupa, o cabelo, as regras eram as mesmas. E os homens também eram livres e as mulheres não. A maioria das minhas “irmãs” da igreja seriam criadas para se tornarem hoje em dia boas donas de casa, ou no máximo enfermeiras e professoras – trabalhos de mulher. Sim, eu falo isso a sério, é exatamente assim.
<br> É engraçado que nisso tudo eu pouco me incomodei com esses papéis sociais. Eu não me importava com a ideia de que seria professora ou secretária – afinal, eu era mulher –, eu não me importava de ficar do lado de cá da igreja, ou tocar órgão, não poder ter nenhum poder, ou ser impedida de consumar meus desejos sexuais até. No entanto, uma coisa me incomodava em especial, desde que eu era uma menininha: não poder usar maquiagem, não poder usar as roupas da moda, não poder cortar o cabelo. Parecem coisas realmente supérfluas perto de todo o resto, mas pra mim não eram, e hoje eu entendo muito bem por quê. Hoje percebo que se me livrei desse grilhão foi só por causa de um outro que parece não existir, mas é só porque faz parte de um mundo maior – não é à toa que crentes chamam aqui fora de “o mundo”.
<br> Eu só queria me “encaixar” melhor. Afinal, era por causa da igreja que eu era inadequada. Eu era estranha na escola, estranha na rua – não é à toa que as outras irmãs ficavam restritas ao universo religioso, lá elas não eram inadequadas. Mas eu queria pertencer ao lado de cá. Ainda mais porque eu tinha muito baixa auto-estima. Então eu queria ser “livre” pra me modificar. E assim ser bonita de acordo com os padrões que toda, TODA mulher, é submetida, esteja ela no “mundo” ou não. A gente chora silenciosamente por não poder cobrir nossos fios brancos, porque não podemos cobrir nossas espinhas, porque nosso cabelo é tão longo que não cai no nosso rosto. A gente não era sexy – e ser sexy, RÁ, é também papel de uma mulher, não é?
<br> Quando finalmente saí eu me senti livre. Verdadeiramente livre. Eu não escolhia mais minhas roupas de acordo com regras escritas num livro, eu escolhia de acordo com “meu gosto”. Eu podia fazer o que eu quisesse – contanto que não fosse má – e isso fazia sentido. E quando pensava que “as feministas” diziam que essas coisas que me faziam sentir livres eram na verdade uma forma de prisão, eu realmente me afastava e ficava até brava. Como ousam querer tirar algo que sempre sonhei? Algo que a tanto custo conquistei? A minha tão sonhada liberdade?
<br> Demorei pra entender bem isso. Acho que me faltava contato com “mundo” pra perceber que eu sempre estive no “mundo”, só não podia participar dele.
<br> Essa realidade de querer fazer algo e não poder e isso nos atrair ainda mais é muito velha. É a história do Barba Azul: você não abra aquela porta. Eu sou uma pessoa desobediente – apesar de ser empurrada pra feminilidade, eu sou exatamente isso: desobediente –, se você me disser não, eu faço. E esse “mundo” era muito sedutor. Claro que não o mundo do empoderamento. Porque no “mundo” coisas como “mulher é feita pra servir”, “mulher é feita pra ser casta”, isso tudo anda ainda muito em voga. Então não me ocorreu que eu podia ser de fato livre ou forte. Mas ser modificada pra me encaixar num padrão obviamente me ocorreu. Afinal existe coisa mais propagandeada que isso? Eu só queria ter acesso a esse mundo de aceitação. Eu só quis abrir a porta que eu sabia que existia – e me era negada – não a porta que o feminismo está tentando construir: a porta da igualdade, a porta para a liberdade de fato.
<br> Hoje percebo que usar maquiagem não é liberdade – embora para nós a quem isso foi negado, sempre vai ser um ato desafiador, acompanhado de um sabor de desobediência. Mas no fim é o que nos submete a um padrão bem escroto. Eu continuo tendo vergonha de mostrar meu rosto nu. Às vezes sonho que uso uma espécie de burca pra sair na rua e ninguém me ver. Meu rosto nu é minha fraqueza, meu medo. E eu iria adiante e diria que pras mulheres que cobrem sua cabeça, provavelmente a história não é muito diferente. Não é uma liberdade, tampouco uma escolha. Mas é uma história, um contexto, uma realidade, a qual nos apegamos ou não. E é extremamente pessoal abdicar ou não. Mas não é assim como se crê tão superficialmente, uma escolha, uma cultura apenas – afinal nossa cultura, oras, é misógina.
<br> Eu uso essas bijuterias porque gosto ou pra me encaixar? Provavelmente me encaixar é o sentimento que veio primeiro. Mas essas coisas vão se solidificando, a gente acaba se acostumando, gostando, enfim... O que é individual, o que é social? A gente não sabe.
<br> Mas, como disse, nisso eu me identificava com pessoas trans. Essa vontade de abrir a porta proibida, de desobedecer o não, de seguir uma ideia falsamente libertadora do que é ser bonita – a “beleza feminina”. Toda essa porcaria que na verdade é uma prisão, mas que ao ser negada a gente quis entrar. De uma prisão para outra, que parece mais confortável, mais bonita. Puro marketing que a gente vai engolindo desde criança.
<br> Mas o paralelo acaba aqui. Eu não vim pra esse mundo de cá para ser mulher. Eu já era mulher muito antes. Essas coisas nunca me fizeram mais ou menos mulher. O que me fez mulher foi uma socialização rígida que me enfraqueceu, que me amedrontou, que me colocou atrás de grades que eu era pequena demais, vulnerável o suficiente para não conseguir fugir. É essa prisão que é ser mulher. Essa prisão não é sequer o papel social que me foi empurrado. É a forma como fui moldada de forma a encaixar nele, mesmo contra a minha vontade. Essa prisão continua em mim mesmo que hoje em dia eu não queira mais ser dona de casa, mas no fundo, lá no fundo, deixa um resíduo – “eu não quero, mas é o que eu devia fazer”. É algo que ecoa lá no fundo de toda mulher que grita: talvez eu devesse me calar. Mesmo aquela que parece muito forte, mesmo nela há uma voz que é difícil de calar que lhe diz: você é frágil. É algo que não se desvencilha facilmente e não tem nada de prazeroso. E é algo que nos precede.
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-70239255553128974102014-01-20T11:20:00.000-02:002014-01-20T11:22:15.251-02:00Ser artista e ser mulher num mundo masculino Talvez escrever seja diferente para mulheres, ou para algumas mulheres, ao menos.
<br> Boa parte dos escritores homens, quando falam sobre seu fazer literário, dizem que escrever é rotina, é trabalho, é com hora marcada, exige concentração e esforço.
<br> Talvez por isso que o mundo do trabalho – mundo criado por homens – é exatamente assim: rotina, trabalho, esforço e horas marcadas. Não há espaço para explosão de criatividade ou inspiração (muitos dizem, inclusive, que inspiração não existe). Talvez inspiração, assim como intuição, seja característica especial de mulheres (percebam que digo especial, mas não exclusiva, percebam que digo boa parte e algumas e não todas e todos).
<br> Essa vida toda, percebo, foi uma tentativa vã de me adequar a um sistema em que não me encaixava – um sistema essencialmente masculino. E por não ser como os homens, esforçada e metódica, eu não posso funcionar aqui e não há mérito em ser inspirada e intuitiva – qualidades que sequer existem, porque tudo que é feminino tende a ser negado, subjugado numa cultura masculina.
<br> Murakami, ao falar que escrever exige concentração, dá o exemplo de alguém que sofre de cárie: se concentra na dor, não se concentra na escrita. Então lembrei de Frida Kahlo (ver o filme sobre ela foi o que deu vida a esse texto). Sentiu dor praticamente a vida inteira – talvez pintasse melhor justamente por causa dessa dor. A dor não a distraía, pelo contrário, a arte era seu grito, a expressão, a extensão da sua própria dor. Eu também escrevo quando dói e porque dói. Remédios e bons momentos me roubam a escrita.
<br> E por muito tempo não me perdoei o fato de minha personagem principal ser eu mesma, vi sempre isso como falta de talento (pra não dizer de caráter). E, embora existissem escritoras e escritores com a mesma característica, eu não dava atenção – sempre foram os marginais e as mulheres (marginais porque mulheres) que escreviam assim. Admito que quando a gente procura em nossas frestas, sempre encontramos um resto de preconceito, ainda mais quando ele é sobre nós mesmas. É fácil se odiar, ninguém prende ninguém por crimes de ódio contra si mesma.
<br> Me vi na Frida como um espelho – não em genialidade e força, é claro. Mas vi nas pinturas nascendo para enfeitar o gesso que a imobilizava, nas pinturas que retratavam o próprio rosto e que retratavam tão bem um mundo, porque era o mundo que ela conhecia em primeira pessoa.
<br> Também não consigo me exceder porque não consigo aceitar a ficção que não fale a verdade, a verdade mais pura e honesta, sobre o que é a dor. A dor precisa ser exata, e a dor pra mim tem uma espécie de copyright. Por exemplo, outro dia vi uma menina, ao lado da mãe que pegava garrafas e plásticos do lixo, empilhando tampinhas coloridas num tabuleiro de jogos. Eu pensei: isso daria um bom conto. Mas quem sou eu pra falar com propriedade da vida desta menina?
<br> Outro dia vi uma mulher, sentada na rua, ao lado de sacos de lixo, ela estava muito suja, mas tinha um esmalte na mão e pintava as unhas de vermelho. Eu pensei: talvez uma bela fotografia, ao menos, isso a respeitaria... Então concluí que não. Não é certo eu sair do meu apartamento, com minha máquina fotográfica cara, fotografar a dor da pobre moradora de rua, que mesmo suja pinta as unhas de vermelho. Que sei eu da dor dela? Que sei eu de pintar as unhas de vermelho do lado do lixo? Eu não sei, e não vou saber nem imaginando. Eu sofro por ela, por existir um mundo assim. Mas eu nunca saberei o que é sofrer a dor dela.
<br> Quando a gente é mulher – ou quando a gente sofre – fazer arte não exige que inventemos personagens, existe uma personagem com riqueza de detalhes dentro de nós. De fato, Murakami tinha razão: se estamos com cárie, não vamos nos concentrar na escrita, mas em nós. Mas existe algumas de nós que nos tornamos escrita e que transportamos nossa dor para lá.
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-88012390588900128992014-01-07T02:03:00.001-02:002014-01-07T02:08:25.906-02:00Obsessões Antes de começar a fazer terapia, eu tinha essa ideia fantástica de que bastava encontrar o problema, bastava iluminar cantos obscuros, que, plim, tudo se resolvia! Acho que por isso passei tanto tempo escrevendo e me abrindo sobre o que me incomodava, porque nesse exercício de escrever eu esperava iluminar meus cantos obscuros. E é frustrante reconhecer que iluminar não fez nenhuma mágica.
<br> O problema não é visualizar o problema. O problema é <i>solucionar</i> o problema. E as soluções ninguém tem. E reverter hábitos é uma das coisas mais complicadas do universo.
<br> Hoje passei em revisão sobre o que é a minha depressão. Pelo menos o que ela é agora pra mim. Ela não é luto, nem dor, mas uma obsessão. Estava lembrando que há muito tempo eu comecei a ler sobre distúrbios alimentares, e por algum motivo isso me interessou muito a ponto de eu ler relatos dias inteiros, acompanhar blogs, ler sobre o que era, principalmente anorexia. Eu sentia uma empatia muito forte com aqueles casos e estranhamente, embora nunca tivesse vivido nada daquilo, é como se o sentimento me fosse familiar.
<br> E hoje refletindo sobre isso, eu percebi o que é familiar nisso tudo: obsessão. Mais precisamente, obsessão por perfeição. Eu sou uma pessoa obcecada por perfeição, e não é à toa que minha depressão soa pra mim como fugir de um gigante assassino: por mais que eu corra, eu nunca chego lá. A perfeição é uma meta inatingível. Mas não importa o quanto eu saiba disso, o quanto minha psiquiatra diga, ou eu mesma diga, ou o Eros diga, no fundo me soa loucura ansiar qualquer coisa que não seja ser perfeita. E eu sei que a loucura (e a arrogância) é justamente ansiar isso – racionalmente falando, ao menos. Parece que eu só alcancei o que tenho de melhor desejando a perfeição. Parece que se eu parar de ansiar isso, eu vou me tornar a pior pessoa do mundo. Porque, não fosse essa obsessão, eu seria a pior pessoa do mundo, porque eu sou fraca e lerda.
<br> Na realidade o que acontece é isso: eu quero minha casa arrumada, bonita e limpa. De preferência milimetricamente arrumada, bonita e limpa. Se minha casa ficasse milimetricamente arrumada, bonita e limpa, eu acredito que seria feliz, como se minha casa fosse uma réplica de mim por dentro. Quando eu não consigo limpar ou decorar a casa como gostaria (porque a cobrança é tão alta, que eu mal consigo começar, de tão imensa a proporção que toma), eu me sinto a pior pessoa do mundo. Uma fraca, uma lenta, uma preguiçosa. E uma pessoa preguiçosa é a pior coisa do mundo (mais ou menos como é para pessoas anoréxicas engordar). Não é admissível pra mim ser preguiçosa, mas <i>eu sei</i> (e não importa que eu me mate de trabalhar) que eu sou uma preguiçosa. Então ao mesmo tempo que eu me esforço pra não ser, eu sei que nem adianta. E vira um cabo de guerra.
<br> Se acaso eu passo o dia todo limpando minha casa, eu fico frustrada porque não está suficientemente limpa, ou porque vai sujar de novo e foi tão difícil fazer e eu estou tão cansada que sendo eu uma preguiçosa, é provável que eu evite fazer de novo. E se eu passo o dia todo fazendo crochê (porque eu nunca consigo dosar as coisas, ou eu fico 8h seguidas numa atividade até ficar lesionada, ou eu não faço, ou se faço pouco parece muito pouco), eu não limpei a casa. E se por acaso eu arrumasse a casa e fizesse crochê e não cozinhasse seria ruim. E se não faço exercício também ta errado. E se faço exercício fico pensando que deveria fazer algo como ativista e sair do sofá. Se as encomendas se acumulam eu me sinto numa maratona: enquanto eu não terminar a lista, eu não presto, as coisas estão ruins. Se a lista aumenta, eu começo a entrar em desespero. Se eu trabalho fora, eu fico também desesperada porque não vou conseguir conciliar outras atividades, nem arrumar minha casa e vou ser infeliz (e de fato fico infeliz). E é culpa por todos os lados. A culpa que paralisa e alimenta a culpa, a culpa que cresce desenfreadamente. A culpa que corrói e me machuca o corpo, que me deixa durante horas procrastinando na frente do computador e que termina por me fazer sentir suja, envergonhada, um lixo.
<br> Até que tudo me parece errado e eu quero fugir. Fugir de todas as obrigações, de tudo que está na casa, no trabalho [na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê], que é quando eu canso de ficar cansada.
<br> Contando isso resumidamente pro Eros, ele sabiamente respondeu: “então faça só uma coisa por dia, relaxa, se não der pra fazer não faz”. E faz todo sentido. Parece altamente razoável. Mas por que eu não consigo “comprar” uma ideia tão simples? Porque eu nunca vou aceitar (não enquanto convivo com pessoas perfeitamente produtivas) que eu seja preguiçosa, relaxada, me aproveite do trabalho delas. Não aceito ficar tomando água de coco na praia, enquanto tem gente trabalhando cortando coco. E também um certo medo de que se eu deixar de fazer eu não irei fazer mais nada e cair numa depressão terrível e ser o que sou de pior: uma preguiçosa.
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-57150664740679680822013-12-29T02:02:00.000-02:002013-12-29T02:03:17.409-02:00Cacos, trânsito e dívidas<br />
Hoje vi uma imagem sobre um procedimento oriental de colar cacos com ouro ou prata para valorizar coisas quebradas e uma reflexão sobre pessoas quebradas. Eu fiquei pensando agora que fui demolida e colada, mas não com ouro, algo fraco, um vento derruba e tudo se quebra de novo.
<br />
Desde muito nova aprendi que algo estava errado comigo, esse não era o jeito de se ser, e essa foi a primeira vez que fui demolida. Desde então venho desmontando e encaixando as peças vezes e vezes, mas sempre da forma errada. Eu já não sou mais eu – assim eu nunca fui eu – mas uma massa disforme de peças desconjuntadas, que não combinam. Eu não sei quem sou, apesar dos estereótipos que me crio. Sou apenas os olhos cansados do espelho. Olhos cansados de unir peças que não fazem sentido. Nenhum sentimento é honesto, nenhuma observação é displicente, é tudo calculado de forma que faça sentido. Mas eu sou ruim de matemática, os resultados não batem. Não há sentido nenhum em mim.
<br />
Realinhar os próprios pensamentos exaure, como se dentro da minha cabeça fosse uma casa e eu estivesse de mudança. Os móveis são pesados, quase não se movem, e quando movem ficam no meio do caminho, na frente de outro móvel. É hora de tirar o outro móvel do lugar, mas esse móvel ocupará a frente de outro móvel e assim por diante. Um espaço inorganizável, atulhado de coisas. É muita coisa para mudar de lugar, as coisas se acavalam, eu fico confusa, artodoada.
<br />
Antes de ontem eu pensei que viver com essa depressão é como estar presa no trânsito congestionado: ando um pouquinho e paro, ando um pouquinho e paro. Quatorze anos de trânsito sem saber qual é o destino. Mas eu não quero um destino, eu só quero poder correr livre. Há um caminho, uma saída que eu sempre perco. Pensei em me manter em movimento para não parar, mas eu me obceco, fico em movimento perpétuo – eu não posso parar, eu não posso parar porque quero correr e há muito o que fazer, eu não posso parar, eu não posso lidar com a dor de parar, com essa culpa. Mas se eu corro ou se eu paro, não sou livre. O caminho não está livre. Quando não paro no congestionamento, estou correndo de algo.
<br />
Há mais cobranças do que sou capaz de pagar, estou em dívida. E sempre estarei porque eu paro. Eu sempre paro. O combustível acaba e então a dívida cresce, sempre correndo na minha frente.
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-16353444140367248602013-12-14T11:49:00.001-02:002014-05-13T16:45:19.307-03:00As (super) mulheres No meu imaginário, mulheres feministas não eram mulheres como eu, quer dizer, não eram tão inseguras, não se preocupavam tanto com a opinião dos outros sobre sua aparência, eram mais fortes, eram sexualmente livres, eram empoderadas, enfim, elas eram espécie de super mulheres com poderes especiais que lhes deixava imune ao patriarcado (talvez por isso muitas de nós demoremos tanto a nos identificar com o feminismo).
<br> Ontem eu me dei conta do quanto essa imagem – parte das muitas distorções que fazem sobre o feminismo – estava errada. Ontem eu li algumas dessas mulheres feministas contando como nunca tinham atingido um orgasmo, e que perguntavam para outras de nós como era. Elas não eram assexuais, mas nunca tinham vivenciado um orgasmo. Elas não <i>sabiam</i> como se masturbar, ou nunca tinham feito. Estranho, eu pensei, como assim <i>feministas</i> que nunca tiveram orgasmos? E a liberdade sexual e todo o resto?
<br> Mas antes mesmo disso eu já tinha conhecido várias com distúrbios alimentares, com dismorfismo corpóreo, inseguras sobre a própria aparência. Muitas de nós vivenciamos violência sexual, assédio, abusos, violência doméstica...
<br> Até que eu me dei conta do quão ingênuo era esse meu imaginário que esperava que mulheres feministas fossem seres à parte. E talvez aqui resida o erro de tanta gente (em sua maioria homens) de esperar tanto certas atitudes das feministas como paciência, cortesia, racionalidade (por oposição a emoção), entre outras coisas.
<br> Uma discussão, protagonizada por homens, dizia que compreendia a vítima se rebelar contra uma situação de violência de forma vingativa, mas não que <i>feministas</i> reagissem dessa forma.
<br> Quando li isso talvez a imagem que eu tinha já estivesse desmoronando porque dentro de mim uma voz gritou: mas nós <i>somos</i> as vítimas.
<br> E ontem, e hoje, esse é um ponto que ficou claro pra mim definitivamente.
<br> Pessoas com muitos privilégios não conseguem entender muito bem a diferença entre simpatia e empatia. A nossa empatia não se dá por compreensão, porque “nos colocamos no lugar” de forma abstrata. Muitas de nós <i>estamos</i> naquele lugar. Quando a gente se posiciona diante de uma situação de violência, muitas de nós estamos lutando por nós mesmas. E quando digo nós, não é no sentido de sororidade, de compreensão apenas, estou falando de um eu. Muitas das feministas não estão lutando por pessoas oprimidas, elas estão lutando por suas vidas. Elas estão, muitas vezes, tentando reescrever seu próprio passado, para que eles não se repitam nunca mais. Não são cicatrizes que fazem elas compreenderem certas situações, são feridas abertas que elas tentam fechar lutando para que uma violência deixe de existir. São mulheres que reagem contra os padrões de beleza, não porque sabem que maravilha que é ter a segurança de serem elas mesmas, sem se importarem com a opinião alheia, e por isso querem espalhar a boa nova, elas reagem contra o padrão de beleza que está tornando a vida delas mesmas um inferno. Da Beyoncé à mulher obesa à mulher butch, todas elas sofrem com isso, seja para se enquadrarem, seja por ou para não fazer parte. Elas lutam contra a violência sexual porque não querem ver aquele trauma se repetir de novo, elas lutam pela liberdade sexual que lhes foi reprimida, negada, suprimida.
<br> Não há sangue frio, racionalidade onde existe tanta dor. Não tem como se manter plácida quando conhecemos tantas histórias iguais as nossas. Nossa dor está multiplicada em cada uma de nós que passa pelo mesmo. Os espaços exclusivos são para dividir esta dor entre nós de forma segura. E mesmo isso temos que justificar e explicar o tempo todo, enquanto homens saem do navio para afundar nossos botes. Nos reprimem o gozo, nos reprimem o grito, nos reprimem a lágrimas. Somos vagabundas se gozamos, somos “vitimistas” se choramos, a raiva é fora de hora. Nenhuma expressão é admitida e somos exageradas se dissermos que com isso nos querem reduzir a bonecas.
<br> É por isso tudo que não gosto muito de homens no feminismo. Talvez nunca tivesse conhecido essas histórias, nunca tivesse sabido o quanto é generalizada a minha dor, se não tivesse participado desses grupos onde mulheres, como eu, se sentiam à vontade para falar sem serem censuradas, sem se sentirem envergonhadas. Talvez eu não ficasse sabendo que todas nós, das que têm orgasmos às que nunca tiveram, somos super-mulheres por conseguir resistir.
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-9150389048416750342013-12-13T12:40:00.002-02:002013-12-13T12:42:18.511-02:00Os móveis escuros Quando eu era mais nova, fui uma vez ao apartamento novo da minha, naquela época, madrasta. Era o apartamento mais bonito que já tinha visto de perto. As paredes todas pintadas com cores pastéis, os móveis claros, batia muito sol, parecia até de mentira, como um cenário de filme. Lembro de comer morango com chantily na sacada, sentada numa mesinha linda decorada com pastilhas, e ela, como sempre, conversando comigo, tentando entrosar. Acho que devia incomodar muito a ela o fato de que, por mais que ela tivesse tentado e gostasse de mim, eu nunca conseguir me abrir com ela, eu nunca consegui me sentir <i>em casa</i> com ela. Não é que não gostasse, nem que não fosse grata a todas as tentativas, é só que eu não conseguia me identificar, ou me sentir à vontade. E também as tentativas dela de tentar me tirar da depressão com metáforas edificantes e dicas de auto-ajuda sempre me irritaram, isso sempre me irritou mais do que deveria. Era uma tentativa bem intencionada, visando meu bem estar, mas que, na prática, me fazia me sentir ainda mais fraca, mais incapaz, mais deslocada. Sempre me senti insultada com esse tipo de aproximação, e minha relação com ela foi a de uma estranha conhecida.
<br> Mas meu irmão adorava ela. Para o meu irmão, ela foi a inspiração que nem nossa mãe, nem nosso pai puderam ser. Ela era bem sucedida, ela era feliz, ela era livre.
<br> Uma vez eu e meu irmão estávamos falando sobre casas. Eu falava que queria uma casa igual a da nossa ex-madrasta, que lá tinha me feito me sentir bem e que a “nossa” casa (da minha mãe e do meu padrasto) era o pior lugar do mundo. Meu irmão concordou e falou dos móveis, que móveis escuros como o de lá, o de mogno, a falta de sol, tudo isso deprimia um ser humano (era uma indireta, eu nunca saía de casa).
<br> Acho que isso ficou gravado na minha cabeça de uma maneira absurda, a ponto de todos os meus móveis não serem apenas claros, serem praticamente todos brancos. É algo de que faço questão. Há muito tempo eu já concluí que sair de casa não é o meu forte, mas que então minha casa não precisava ser “o lugar mais deprimente do mundo”. Eu nem gosto de sol, mas abro todas as janelas bem abertas para que ele entre em todos os cômodos.
<br> Isso tudo foi o que o sonho de hoje recuperou na minha memória. Eu acordei desse sonho meio sem ar, como se estivesse esquecido como se respira, fiquei um tempo acordada, ainda era muito cedo. Fiquei tentando controlar a respiração e dormir, enquanto pensava nisso tudo.
<br> No sonho eu e o Eros tentávamos mobiliar uma sala. Era uma sala grande, retangular, que por algum motivo queríamos entulhar com uma porção de móveis. Queríamos uma sala de estar e uma sala de jantar, e mais 2 ambientes que não sei explicar, tudo nesse mesmo cômodo.
<br> Como sou muito organizada e um pouco mesquinha com isso, pedi para o Eros me deixar tentar arrumar sozinha, e pensei num projeto que ajeitasse cada ambiente em cada canto do cômodo, mas eu tinha um compromisso inadiável – pelo aspecto do lugar em que fui, era a minha terapia – e, quando voltei, o Eros tinha arrumado o cômodo sozinho.
<br> Olhando em volta no cômodo, notei que ele tinha escolhido uma mesa de mogno, igual a uma mesa que tinha na casa da minha mãe. Na verdade era a mesma mesa, e era uma mesa bonita, o móvel mais bonito que tinha na casa da minha mãe, as cadeiras eram forradas com um tecido floral creme, meio rosado, com um florido meio oriental, era bonito. Mas de alguma forma aquilo me confundiu. Eu olhei para o corredor e lá estava a nossa mesa branca, e ver a mesa branca lá no corredor jogada como um entulho me entristeceu, e eu perguntei, me sentindo ferida: por que você escolheu esta mesa e não a outra?
<br> Ele me respondeu: Porque não ia caber as duas mesas aqui e achei que esta combinava mais com o assoalho.
<br> E eu olhei pro chão e notei que era mesmo muito escuro.
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-54138085164009792582013-12-12T14:20:00.003-02:002013-12-12T14:45:53.509-02:00Sobre escrever e trabalho Há muito tempo, eu desisti de ser escritora. E com frequência escrevo por que deixei de ser escritora. Este é um desses textos.
<br> Desde os 11 anos, aproximadamente, eu decidi ser escritora. Até então eu amava ler e devorava todo tipo de livro, e lendo sobre a vida de uns escritores e com o incentivo de uma professora eu me deparei com a ideia: eu também poderia escrever.
<br> Minha mãe disse que eu teria que ter um trabalho por fora, meu pai só disse que ser escritora não dava dinheiro, e então, nesta idade, eu percebi que escrever não era um trabalho. Mas isso não foi um problema. A verdade é que, se eu soubesse o que é um trabalho de verdade naquela época, adoraria ainda mais a ideia de que escrever não era um trabalho.
<br> Foi o curso de Letras que tirou isso de mim. Tirou a leitora que havia em mim, tirou a escritora que havia em mim. Eu já expliquei por que ler se tornou menos saboroso: a crítica literária. Talvez escrever tivesse perdido a graça pelo mesmo motivo, mas não foi.
<br> Ontem eu li a frase do Luis Fernando Veríssimo em que ele dizia que a musa inspiradora dele era o prazo de entrega. Eu poderia dizer que esse, esse sim é o motivo, pelo qual parei de escrever: o fato de que escrever era um trabalho. Não ou pouco remunerado, como todas as profissões pelas quais me interesso. E como todo trabalho, um inimigo da minha liberdade, da minha identidade, como um ventríloquo me segurando e me fazendo falar ou calar na hora em que ele quisesse, e nem sequer as palavras seriam minhas. Isto é que seria <i>trabalhar</i> como escritora.
<br> Na faculdade minha professora repetia: não existe inspiração, não existe criatividade, só trabalho árduo, que dói, parece fácil? Mas não é.
<br> Creio que com isso ela queria exaltar os artistas. Pra mim soou mais uma vez como um automatismo, como um absurdo. Se não há prazer, pra quê? Se não é instinto, desejo, explosão, por quê? Por que os escritores escreviam? Para fazer dinheiro? Para satisfazer o ego? Para satisfazer clientes? Seja como for, eu me rebelei contra isso. Eu poderia até entregar provas corrigidas de acordo com um prazo de entrega, mas não algo que acredito que é minha própria expressão, algo que devia ser puro e genuíno, não uma grande farsa capitalista, feita pra seduzir e vender.
<br> Não que eu não creia que o que quer que eu faça tenha que ser revisto, analisado, criticado, aperfeiçoado. Até frases de facebook eu reviso várias vezes, na busca de deixar mais fluido, na busca de corrigir algum erro. Mas não escrito com um objetivo tão mesquinho.
<br> A questão é que eu fui parando de escrever.
<br> E então me indicavam escrever tantas linhas por dia, no mesmo horário, que fulano de tal, grande escritor, fazia assim.
<br> E em vez de escrever num certo horário, eu parei de escrever em todos. Antes escrever era uma paixão. Mais do que isso, uma <i>necessidade</i>. Eu levantava às 4h da manhã com uma ideia e eu não dormiria se ela não fosse para o papel. Agora, birrenta que sou, eu me recuso. Me recuso a escrever pelos motivos certos, me recuso a compactuar com a farsa de grande escritora, me recuso também a escrever por necessidade, porque comecei a me envergonhar da minha escrita que não é feita pensando em seduzir, mas em entender. Entender pura e simplesmente, eu e o mundo. Buscando uma compreensão, a compreensão da Sumire: “Para que eu pense sobre alguma coisa, tenho de, antes, anotá-la”. Eu sempre escrevo mentalmente, pra mim mesma, construo textos, para entender, para me explicar, para explicar algo. De repente comecei a sentir vergonha disso. Isso não é escrever, é narcisismo, eu concluí.
<br> A verdade é que eu nunca consegui parar de escrever, como nunca consegui parar de pensar. O facebook virou minha válvula de escape. Por isso sou capaz de ficar horas escrevendo por lá, meus monólogos, meus argumentos, sem precisar pensar em ser escritora, apenas mais uma como todos que estão lá, isso ameniza o sofrimento que se tornou escrever “de verdade”, com função de escrever, com horários, com prazos e arquitetura, com pretensão.
<br> Eu gosto do que escrevo. E gosto que gostem do que escrevo. E isso dá conta de uma necessidade visceral.
<br> Mas não é trabalho. Nem pouco nem não-remunerado.
<br> Mas? Eu disse que não queria que fosse. Mas. No fundo eu queria ser capaz de me render, de me deixar tomar, de ir, de voltar, na hora em que me dissessem, de ser capaz, no sentido que isso tomou atualmente. Vai ver o que sinto é misto de desprezo e de inveja. Eu queria ser <i>produtiva</i>, fazer dinheiro, ser alguém que escreve por obrigação e não se sente submetida, enganadora, falsa, indignada. Ser responsável e fazer parte do mundo dos adultos. Mas é um mundo que me exaspera, pelo qual não quero ser absorvida. No entanto, <i>preciso</i>.Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-26947442945263788502013-08-21T11:59:00.001-03:002013-08-21T11:59:54.939-03:00Por que não transo misandriaPorque eu escolhi esperar.Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-40502179712709161922013-05-12T01:33:00.004-03:002013-05-12T01:42:54.645-03:00A angústia que sucede o gozo<br />
<div class="MsoNormal">
Casa comprada. Móveis comprados. Carreira mais ou menos
estabelecida. Um jardim. Parece que eu finalmente cheguei lá, no destino que eu
persegui, no ponto certo de chegada e de partida. Partida para a tal vida
programada, para dias de trabalho, dias de férias, dias de passeios, dias de
faxina. Parece tudo exatamente estabelecido – como deveria ser – o ponto onde
deveria chegar, mas de repente me dou conta de que essa vida boa, essa vida
tranquila, é aborrecidamente monótona. É horrivelmente previsível. E um tanto
claustrofóbica.</div>
<div class="MsoNormal">
Sei que para o Eros, se ele ler isso, vai parecer que estou
o acusando – porque sei que ele se sente responsável demais (e não deveria)
pela minha felicidade. Vai parecer frustrante, mesmo porque ele é libra, com
ascendente em libra, e pra ele a vida é tranquilidade – e o caos lhe assusta.
Eu sei porque também sou libra. Não é à toa que meu sonho é (ou era) essa mesma
tranquilidade.</div>
<div class="MsoNormal">
Mas meu ascendente é peixes. Conflita com o Eros, conflita
comigo mesma. É esse desejo abafado de caos, de inesperado, de fantástico e de
aventura. Um desejo e um medo. Eu quero e não quero. E antes que haja engano,
não é aventura amorosa, essa aventura não inclui outros, mesmo porque acho isso
meio óbvio, de mau gosto e clichê a ponto de ser ridículo. Além disso, eu detesto
relacionar-me em demasia, detesto pôr minha felicidade nas mãos de outros (é
necessário que eu seja responsável nessa construção de mim mesma e dos meus
projetos de felicidade, eu não me sentiria livre se não fosse assim).<br />
Essa aventura é o risco. Não sei exatamente que risco, mas um risco. Minha
parte libriana acha isso absurdo (como alguém pode querer viver um risco? Você
diz, mas você não quer de verdade isso). Mas, eu respondo, uma vida sem risco é
uma vida medíocre. Depois eu concluo que é muito provável que esse desejo
fantasioso de aventura (que não sei nem qual é) nunca saia do papel por medo e
por preguiça – e porque tem algo de extremamente irreal, porque é muito
parecido com um livro, com ter de repente Voldemort me perseguindo e eu voar em
vassouras, ou estar numa ilha com um serial killer, é algo absurdo e inatingível (ok, você agora deve estar pensando: e aventura amorosa é que é ridículo?)<br />
E daí o que eu faço com a claustrofobia? E o que eu faço com esses meio-gozos e
esses desejos que procuro, satisfaço, e perco o interesse logo depois? Me afogo
em antidepressivos?</div>
<div class="MsoNormal">
Por que a vida tem que ser assim, tão real?</div>
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-7041138886812828852013-02-18T11:20:00.005-03:002013-02-18T11:24:51.702-03:00Aterrissagem de emergência Tenho tido esse sonho recorrente de que estou num avião e ele pousa no meio de uma rua, avenida, com tráfego de carros... não é exatamente um pouso forçado, porque eu só percebo que estamos pousados ao sair da nave ou ao olhar pro lado de fora. E é só isso.
<br />
Todos agem como se fosse fato comum, corriqueiro – mesma atitude que todo mundo adota quando o avião está levantando voo e eu fico nervosa, só eu noto que aquilo é perigoso.
<br />
Fico pensando o que isso pode significar, e ontem comecei a lembrar como minha vida se tornou um pouso forçado, como o do sonho, um avião que parou num lugar inesperado, do qual é difícil sair.
<br />
Até mais ou menos 4 anos atrás, eu queria muito ter filhos, adorava crianças e não podia entender quem não gostasse. Até 1 ano atrás eu tinha como maior sonho, maior meta na vida ser professora. Eram coisas que, de algum jeito, formavam minha identidade e que de repente se transformaram de sonho em repulsa – o pouso forçado num lugar inesperado.
<br />
Às vezes me sinto como aquele cara que disse que após um <a href="http://saude.ig.com.br/minhasaude/avc-pode-mudar-comportamento-afirmam-neurologistas/n1597361012278.html" target="_blank">AVC mudou de orientação sexual</a>, como se alguma coisa no meu cérebro tivesse mudado e me feito mudar junto, como se eu não fosse responsável por nada, como se eu fosse resultado de um cérebro quebrado, porque por mais que eu possa apontar uma ou outra causa para mudar de ideia, a mudança foi brusca – e profunda demais – para motivos tão pequenos.
<br />
O pior de tudo isso não é ter mudado de ideia – porque, de alguma forma, não acho ruim “a nova identidade”. O pior de tudo é a insegurança que isso me traz, de que não sei o que será no futuro, não sei pra onde vou, no que invisto (e SE invisto), nem sequer sei se largo de vez do passado, porque vai que eu volto a ser o que eu era? Ou ainda, vai que eu mude de novo pra algo totalmente novo? E aqui entra a parte em que do lugar onde o avião pousou é difícil, quase impossível, decolar de novo... Não bastasse não ter pista livre para tomar impulso, eu sequer sei meu destino. Pior ainda, eu não me sinto segura de entrar num avião que acabou de fazer um pouso forçado.Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-54129943139905366312012-09-27T13:18:00.001-03:002012-09-27T13:18:39.874-03:00Medo de envelhecer<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 22.0pt;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 22.0pt;">
Farei vinte e seis anos domingo e
não consigo evitar pensar que estou envelhecendo. Seria precoce se eu não
soubesse que, no fundo, todas as minhas amigas também morrem de medo disso – e cada
vez mais cedo: medo de envelhecer.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 22.0pt;">
Não vou entrar nos detalhes... é óbvio
que vivemos numa sociedade machista, com um padrão de beleza ridículo para as
mulheres, no qual homens envelhecendo são charmosos, são interessantes,
mulheres envelhecendo são “o murchar de uma flor” (e a metáfora piegas é
proposital), significa que estamos morrendo, perdendo o valor. Claro que não
estou querendo dizer que envelhecer também não é ruim para homens. Mas para
mulheres é praticamente uma sentença de morte, afinal todo nosso valor, como é
repetido 25h por dia na TV, nas revistas etc., reside no fato de sermos jovens
e bonitas.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 22.0pt;">
Aí que eu, a par do fato de que
tudo isso é uma construção social idiota e maléfica, tento repetir pra mim
mesma um mantra toda vez que me olho no espelho. E isso quero compartilhar com
todas as amigas que temem envelhecer junto comigo.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 22.0pt;">
Eu não estou morrendo, nem
perdendo nada, eu estou mudando. E mudar é essa coisa fantástica da vida, seria
monótono sempre estarmos na mesma, afinal não é por isso que sempre gosto de
mudar de cor de cabelo? Acrescento a isso uma leve curiosidade: como ficará meu
rosto? Como ficará meu corpo, quando envelhecer? Diferente, parece
interessante. Provavelmente, a cada dia uma nova ruga, a pele amaciando, uma
novidade. Se isso ainda soa mal, penso nos bebezinhos de gatos lá no quarto,
como eles nasceram e ficaram tão bonitinhos bebês que inevitavelmente eu
pensava: quem dera eles nunca envelhecessem! Por outro lado, há sempre a
curiosidade: como eles ficarão quando mais velhos? Como eles ficarão quando
crescer? E um pouco de alívio em pensar que, amadurecendo, será mais fácil
cuidar deles, que eles ficarão cada um com uma personalidade mais própria. E
isso é envelhecer também pra gente... Se eu tiver sorte de viver o suficiente
para ver como ficarei velhinha.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 22.0pt;">
E eu serei uma velhinha linda. Já
estou planejando as roupas, e os cabelos. E meu corpo terá textura de maria-mole,
que é uma textura tão gostosa, eu adorava ficar mexendo no lóbulo da orelha da
minha avó. Envelhecer é o body modification da natureza. </div>
<br />
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-36197762016137737902012-09-02T16:17:00.001-03:002012-09-02T16:17:58.682-03:00Diário extra-classe<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Quando fiquei sabendo dessa
menina e dessa página no facebook: <a href="https://www.facebook.com/DiariodeClasseSC?ref=ts">https://www.facebook.com/DiariodeClasseSC?ref=ts</a>
eu me abstive de comentar. Muita gente tava elogiando a iniciativa, dizendo que
a garota era corajosa e tal, e eu fiquei meio surpresa por isso... Surpresa, sério.
Porque eu me lembrei da minha adolescência, do meu ensino médio, quando eu,
como essa garota, fazia o mesmo tipo de crítica sobre a minha escola. Só que
naquela época – graças a deus – não tinham redes sociais, eu apenas reclamava
para os funcionários envolvidos sobre a falta de infra-estrutura da minha
escola que, além de tudo, era particular, e nem argamassa e tinta tinha nas
paredes. Lembro que uma das poucas vezes que minha mãe foi numa reunião, ela
voltou pra casa orgulhosa de mim – sério – dizendo que a coordenadora tinha
elogiado o meu senso crítico. Isso mesmo, ela não achou ruim o fato de eu
reclamar da escola, ela achou isso bom. Infelizmente isso não ajudou em nada a
mudar a escola, minha irmã estudou lá muitos anos depois e continua a mesma
coisa.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
De qualquer forma, quando me
lembro dessa época, eu não me orgulho de ter sido tão crítica. Na verdade,
depois de passado todo esse tempo, eu comecei a me envergonhar de ter criticado
tanto sobre a falta de argamassa, porque em que isso, afinal, modificava a
minha aprendizagem? Pois é, em NADA. Era uma crítica superficial, sobre a
aparência da escola. E só depois de todo esse tempo eu reparei o quanto a
escola deixava de investir nisso para investir em... professores! Meus
professores eram ótimos. Não me lembro de nenhum que fosse despreparado, que não
fosse alguém que me ensinou muito. Sem contar essa coordenadora que foi capaz
de elogiar senso crítico – o que, absurda e infelizmente, é raridade nas
escolas.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Aí que ontem cheguei em casa e o
Eros me recebeu com um abraço dizendo: você ta certa, vamos comprar uma máquina
de costura pra você costurar. Eu achei meio bizarro, fiquei pensando: que que
deu no Eros? Haha! O que deu é que ele tinha visto o site dessa garota e soube
do caso do professor de matemática que foi afastado de sala por não saber “dominar”
a turma. Aliás, ele teve até a aula filmada e postada na internet, para todo
mundo ver, inclusive futuros empregadores, futuros alunos. Para todos verem ele
sendo humilhado.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
E essa noite eu tive pesadelos
com sala de aula. E quando penso nisso lágrimas me vem aos olhos. Durante mais
ou menos 14 anos da minha vida ou mais, como vocês devem saber, eu venho
planejando ser professora. Desde muito pequena eu dava aulas imaginárias, eu
era a 1ª ou a 2ª da sala, querendo aprender. Durante todo esse tempo eu
observei o trabalho dos meus professores procurando referências, estudei com
muito esmero os meus 4 anos de faculdade numa boa faculdade, sem nunca reprovar
em sequer uma disciplina, passei 2 anos em sala de aula auxiliando professoras
diariamente e assistindo e aprendendo também com suas aulas pra chegar aqui,
neste exato momento, e ter abandonado todos esses planos, todo esse tempo de
estudo pra fazer costuras pra fora. Ser professora foi sempre a única certeza
da minha vida. Aquilo que eu sempre sonhei, que eu achava que ia me fazer feliz
e ia ser de importância para a sociedade em que vivo, e foi algo que eu
realmente me dediquei. E que eu desisti em 6 meses de pesadelo, nos quais eu
também fui incapaz de “dominar” uma turma.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Só quem já passou por isso sabe o
quanto é devastador. A sensação de falha, de inferioridade, de lixo, que senti
foi tão grande que em alguns dias eu ficava esperando ficar muito doente, ou
sofrer uma violência na rua, qualquer coisa que me impedisse de ir pra escola e
ter de dar aula. Ao menos ninguém filmou isso e pôs na internet, eu espero.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Eu fico pensando o que me fez “falhar”
como professora. Talvez tenham sido as inúmeras aulas da faculdade sobre escola
da ponte, lendo textos dizendo que a escola deve dar asas e não aprisionar. Eu
concordei com tudo isso, eu sou uma pessoa extremamente libertária. Não quer
dizer que eu não saiba que existe autoridade no mundo, que eu deixe os alunos “fazerem
qualquer coisa”, significa que eu sempre pautei minha conduta num ideal de que
eu não devia aprisionar meus alunos, de ser a tal autoridade não autoritária.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Quando eu abandonei essa carreira
não foi só porque eu “falhei”. Primeiro, as aspas são justas, eu não acho que
falhei. Eu acho que a sociedade falhou em criar pessoas livres. Eu cansei de
ter sempre essas lamúrias comigo, lamúrias de todo professor, mas lamúrias
justas. Não queria ser aquela pessoa que faz a mesma reclamação de sempre, já
basta minha depressão me deixando assim. E também não queria me tornar aquilo
que minha psiquiatra apelidou de “guarda de cadeia”. Eu queria ser professora,
não guarda de cadeia. Comparar escola com prisão sempre me causou incômodo.
Essa acusação de que a escola é um MAL, cerceadora, esse discurso que rola
entre os libertários sempre me causou desconforto. Eu não escolhi essa profissão
pra ser liberar meu sadismo. Para ser a guarda de cadeia. Eu tinha escolhido
isso pra fazer o maior bem possível. Para tornar meus alunos leitores. Para tornar
meus alunos tolerantes. Para tornar meus alunos seres livres.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Mas a realidade, a realidade
mesmo, é que atualmente professores são guardas de cadeia. Porque os alunos são
criminosos. E parem de culpar o sistema carcerário. É um saco ser professor e
levar tiro por tudo que é lado. Não basta você ter que estudar pra caralho,
lidar com todo tipo de merda, trabalhar 24 horas por dia os 7 dia das semanas,
você ainda é obrigada a ouvir que se algo der errado a culpa é toda sua. Você não
soube dominar a turma, ou dominou demais, enfim. E não vou vir com o velho
discursinho de que “a culpa é da família”. Não é que não seja. Talvez a culpa
seja de todos nós.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Primeiro reflitamos sobre nosso
conceito de adolescência. Ninguém sabe o que é adolescência com certeza, nem quantos
anos ela tem, a adolescência é uma construção social. Essa noção de que
adolescentes são “difíceis”, adolescentes são “irresponsáveis”, isso tudo a
gente ACEITA como um padrão de conduta e, ao aceitar, promove. Eu não to
dizendo que fui uma adolescente perfeita. Aliás, eu fui uma adolescente tão difícil
que minha mãe achava que eu estava possuída por espíritos – imaginem! Nem to
dizendo que respeitei autoridades doesse a quem doer. Sabem aquela expressão
que diz “mais feio que bater em mãe”?, eu sempre fico constrangida quando ouço
isso porque eu já bati na minha mãe. Pois é. Mas, em minha defesa, eu estava
apanhando dela e do meu padrasto, por causa dos espíritos. Eu estava tentando
me defender. E depois me senti muito mal por isso porque eu machuquei o braço
do meu padrasto, coitado, eu devia ter apanhado quietinha, como deve ser.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Mas voltando aos adolescentes...
Se eles podem ser irresponsáveis, se eles podem desrespeitar pessoas (e não vou
colocar “mais velhos”, nem “professores”, eu to dizendo PESSOAS, sejam
professores ou colegas), porque isso “faz parte da adolescência”, fica muito fácil
descobrir por que o professor é sempre o vilão da história. Ou ele é um ser tão
carismático que todo mundo ama – e vocês devem saber que no fundo ninguém
consegue o amor de todo mundo, nem a pessoa mais carismática do planeta –, ou
ele é ruim porque ou ele é agressivo demais, o que é um absurdo, “são apenas
adolescentes”, “eles são imaturos demais para saber se portar”, ou é agressivo
de menos e isso também é absurdo demais pelos mesmos motivos citados acima.
Professor é igual mãe, esse ser mítico, que sabe dosar carisma, autoridade, é
legal, mas não <i>muito legal,</i> não caga,
não falta, faz tudo pelas crianças sem esperar <i>nada em troca.</i> Se algo falhar nessa receita <i>a culpa é toda sua</i>, não seja mãe, não seja professor.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Criamos pessoas mimadas. Pior, não
mimadas, mas pessoas <i>intolerantes,</i> sociopatas.
Antes de falar de merda de escola claustrofóbica, de coitadinho dos alunos
sendo aprisionados, de malvado professor autoritário que não educa para
questionar, ou o professor sem autoridade que não educa para “o mundo”, vamos
tentar culpar os culpados. Se a turma não tem “domínio”, errada é ela que não
sabe se comportar. FIM. Simples assim. Se não é nessa idade que essas pessoas
aprendem a respeitar uns aos outros, QUANDO IRÁ? Se é só por coerção que fazemos
esse respeito acontecer, que tipo de mundo estamos esperando? Repito: educação “para
o mundo” é educação para manutenção do status quo? Um mundo em que as pessoas só
se comportam enquanto alguém estiver olhando? Um mundo em que o estuprador só não
estupra porque a rua está bem iluminada ou movimentada? Em que está ok ser
espertinho quando <i>ninguém está olhando?</i>
Em que eu só vou respeitar um professor sob risco de palmatória? Em que só não
bato no meu colega se ele puder revidar? Quando é que vamos ensinar as pessoas
a se dominarem e não a serem dominadas?</div>
Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-89290884497193701862012-08-11T20:37:00.001-03:002012-08-11T20:37:54.532-03:00Post pessimista #163<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Eu odeio admitir, mas eu sou uma
pessoa preguiçosa e hedonista.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Eu odeio trabalhar, mas sei que
vou ouvir “e quem gosta?” e antecipo: eu faço um monte de coisas que eu não
gosto pelo dia inteiro. Primeiro, eu não gosto de acordar, mas acordo. Eu não
gosto de lavar louça, mas lavo. Eu não gosto de arrumar a casa, mas arrumo. Eu
não gosto de sair de casa, mas saio. O problema de ter que trabalhar é que não
terá um dia em que eu acorde e diga: agora não. Não vou poder. Vou ter que me
arrastar até lá, forçada e fazer seja lá o que for que eu detesto por dinheiro.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Tem um tweet, que eu não sei de
quem é de tanto que plagiaram, que diz que o ciclo da vida é nascer, lavar
louça, lavar louça, lavar louça e morrer. Pois é assim que eu sinto minha vida:
é um conjunto de obrigações sem graça. Que o que quer que eu faça vai ser lavar
a louça porque louça acumulada na pia é pior que lavar a louça, só por isso.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Escrever, por exemplo. Fica a
pergunta: eu gosto de escrever? Não. De me comunicar eu gosto, de desabafar eu
gosto, mas criar histórias? Não, eu nem sei. E posso tentar aprender, eu sei
que é só aprender, mas... pra que, afinal? Pra ter a mesma emoção vibrante, só
que não, de ter a pia limpa? Dar aula a mesma coisa. Viver é a mesma coisa. A
gente só vive porque se matar é pior, aparentemente. Tem as coisas boas, tem
sim. Mas até elas, quando são só elas, enjoam.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Pois é, a vida é manter a pia
limpa. E comer é apenas uma pequena parte, que te enche se você comer demais, e
a maior parte da louça é o copo d’água que você bebeu nem porque estava com
sede, mas pra não ter, sei lá, algum problema urinário de novo. A vida é um
grande nhé.</div>Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-59593120899265506582012-08-04T21:13:00.002-03:002012-08-04T21:17:55.940-03:00"A vida é linda, o mal é que muitos confundem lindo com fácil"<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj49_uULOrZlfb2xAPh-hfVXIPCye1Zx_6DaOHsK3_h1Nr34XNJ4Na9WMEKOaJxU4A-R0SbswzOoq9pfjtL_sb-NPl36YuSJFIuYBSULyzSPSw5iR9itOhM0slVY959nxe-mlv/s1600/mafalda+vida.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="194" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj49_uULOrZlfb2xAPh-hfVXIPCye1Zx_6DaOHsK3_h1Nr34XNJ4Na9WMEKOaJxU4A-R0SbswzOoq9pfjtL_sb-NPl36YuSJFIuYBSULyzSPSw5iR9itOhM0slVY959nxe-mlv/s320/mafalda+vida.png" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
Essa frase é algo que venho me debatendo há algum
tempo... No momento em que li isso encontrei um erro no meu modo de pensar as
coisas e tive que aceitar que eu só odeio a vida, como todos os livros de
autoajuda tanto já disseram e eu não quis escutar, porque sou derrotista.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
Eu repasso a
frase mentalmente, tentando encaixá-la na cabeça, mas de alguma forma é como se
meu corpo expulsasse a ideia, embora não rejeite totalmente. Há algo
esbarrando. Primeiro penso se vale a pena passar por tantas dificuldades porque
é bonito, mas já está na hora de eu abrir mão de tentar aplicar a pergunta “vale
a pena?” para qualquer coisa, pois a resposta nunca é favorável a nada, e é inútil.
Mas ainda assim, ainda assim acho que minha mente esbarra na afirmativa: “a
vida é linda”. A vida é linda? É isso.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
A vida é
linda? E minha mente ecoa: não, não é. A vida é linda? Um absurdo. A vida é
linda? Erro. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
Ou será, eu me
desafio, que estou confundindo as coisas como diz a frase?</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
De qualquer
forma, minha mente diz, pouco importa se é difícil ou se é fácil, eu tenho dúvidas
se a vida é linda.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
A vida é linda
em filmes, a vida é linda na dança, a vida é linda numa pessoa estranha, a vida
é linda nos gatos, a vida é linda nos livros, mas a vida não é linda dentro de
mim. E quem ousa dizer que a vida é linda para quem sofre? Não digo eu –
qualquer pessoa que sofre. Pense num exemplo no vasto mundo de misérias.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
Mas, você pode
contra-argumentar, o mundo não se faz só de misérias. A miséria é a
dificuldade. Ainda que haja miséria, porque não é fácil, a vida é linda.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
Mas, digo eu,
a vida é linda quando a gente manipula a vida. A vida é linda por alguns
segundos de gozo. Mas se for pesar na balança, a vida é no mínimo banal. Medíocre.
E vulgar.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 16.5pt;">
É, é difícil
me convencer de que a vida seja linda. Mas com uma coisa eu concordo: fácil não
é mesmo. E eu dificulto os menores atos. E meu deus quanta mediocridade!<o:p></o:p></div>Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-32856228331613654772012-07-30T13:41:00.001-03:002012-07-30T13:41:14.529-03:00Sonho sobre sair do chão<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 27.5pt;">
Hoje eu tive um sonho que eu
pensei não significar nada, mas contando pro Eros eu percebi que provavelmente
é uma metáfora muito bem elaborada para minha relação com minha carreira. Adoro
como nos meus sonhos eu me revelo o Chico Buarque da alegoria sensacional.
Descobri uma nova carreira: sonhadora.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 27.5pt;">
Foi assim:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 27.5pt;">
Um dia eu vi uma modalidade de
esporte muito estranha, era uma espécie de snowboard no ar, daqueles que as
pessoas fazem quando pulam de paraquedas, mas esse era sem paraquedas e era
pulando de arranha-céus. Eu fiquei muito deslumbrada porque parecia incrível como
os atletas conseguiam se manter equilibrados sobre a “prancha” sendo que não
tinha nenhum apoio para os pés A prancha ficava totalmente solta, e não havia
nada segurando eles, nenhum equipamento de segurança, apenas a prancha amortecendo
a queda. Me contaram que aquele tipo de esporte era dos mais perigosos, e
muitos atletas morriam, porque as pranchas escapavam dos pés, e eu pensando
comigo: o que leva essas pessoas a fazerem isso? Bom, sempre tem gente que curte
fazer qualquer coisa...</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 27.5pt;">
Então alguém do grupo que eu
estava comentou que tinha um apartamento na cobertura daquele arranha-céu e que
nos levaria lá para conhecer porque era muito interessante a vista, que era no
50º andar. Nós fomos. O problema é que o elevador era estranhíssimo, era enorme
e de cimento, parecendo um quarto, e era velho e muito inseguro. Mesmo assim,
nenhum de nós desistiu e lá pelo 18º andar o elevador subiu só de um lado e o
outro ficou emperrado e ficamos totalmente na vertical, quase para cair, tínhamos
que nos segurar em cortinas improvisadas para não cair pelos vãos (porque além
de tudo o elevador tinha vãos)... Por isso decidimos voltar e subir de novo
para ver se desemperrava (como fazemos com um zíper). Sim, nós não desistimos
nem assim. Na minha cabeça eu estava pensando: eu quero ver como é a vista e não
vou desistir, eu já cheguei até aqui e me arrisquei, isso não pode ter sido em
vão. Na segunda tentativa, lá pelo 20º andar um menininho parou o elevador e
ficou tentando nos convencer a não seguir em frente, porque o elevador era
inseguro, e eu fiquei muito impaciente, porque ele estava nos atrasando, e nós
já sabíamos do risco. Continuamos mesmo assim e fomos até o 50º andar, o que
levou quase uma eternidade.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 27.5pt;">
Lá em cima o apartamento não era
nada do que esperávamos (ou pelo menos do que eu esperava). Ele era muito
pequeno e chacoalhava ao menor vento. E para piorar, a vista não me interessou
porque, apesar de ser bonita, se eu abrisse a janela e fosse para a sacada eu
tinha vertigens fortíssimas e tinha medo de cair, então tinha que fechar e
olhar só pelo vidro, o que tirava boa parte do propósito de termos subido lá em
primeiro lugar. A vista até que era bonita e tinha o mar – e eu achei
interessantíssimo ver que de tão alto as ondas pareciam rolar em câmera lenta,
o que me pareceu um instante muito poético, mas fora isso, a impressão de que o
prédio ia desabar a qualquer segundo foi me deixando muito apreensiva, e só de
pensar todo o trajeto de volta, naquele elevador horroroso, eu só queria
terminar logo com aquilo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 27.5pt;">
Mas ninguém queria vir comigo,
uns começaram a abrir a geladeira, a querer fazer comida, e eu implorando para
descerem logo comigo e pararem com aquilo. Eu não queria descer sozinha. Apesar
dos meus pedidos, ninguém quis descer, estavam todos muito ocupados e se
divertindo sabe-se lá como, porque com tanta gente naquele apartamento pequeno
a atmosfera estava ficando sufocante e não havia prazer nenhum em ficar lá.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 27.5pt;">
Então eu desci sozinha. E a
descida foi também perigosa, mas eu estava muito aliviada por ter saído de lá,
e enquanto eu descia agarrada nas cortinas eu me sentia feliz por pelo menos
estar voltando para a terra, assim como acontece quando estou no avião e ele
volta para a terra.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 27.5pt;">
Pensando bem, esse sonho também
representa muito minha sensação quando pego um avião, e meu espanto pelo fato
de existirem comissários de bordo e pilotos no mundo, mas além disso cai como
uma luva com minha experiência de emprego. Eu não me sinto segura no ar e é um
alívio poder voltar para a terra.</div>Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-29659590453194085122012-07-28T19:53:00.002-03:002012-07-28T19:53:42.520-03:00Mais sobre aulas e um pouco sobre arte<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Embora seja uma conclusão
sensata, eu não consigo crer que minha resolução de desistir de carreira seja
simplesmente pelo fato de uma má experiência. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
É verdade, antes eu gostava muito
de dar aula, não minto. É verdade até que eu sentia muita falta de dar aula
antes, para mim não havia outra profissão mais feliz e necessária no mundo. Até
que. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
De alguma forma, quando tento
explicar pra mim mesma os atrativos em dar aula e o que se perdeu agora... eu não
consigo explicar. Eu não consigo entender. Começou com a sensação de que eu não
gostava mais de crianças. Elas começaram a parecer, ao contrário dos incríveis
seres belos e mágicos que eu enxergava nelas antes, um desastre pra vida dos
pais e do planeta. Se crianças não têm atrativos, imagine então adolescentes!
Pelo menos crianças têm uma pele boa. E adultos são ainda mais complicados que
adolescentes e crianças juntos, e eu me sinto muito indefesa perto deles. Terminou
que eu realizei que não gosto de pessoas, de uma maneira geral, sequer a
humanidade parece assim tão interessante como eu achava antes a ponto de querer
salvá-la a todo custo (e diga-se de passagem que não tem salvação). E, embora
isso pareça um vislumbre muito negativo das coisas, eu aprendi, como disse
antes, que isso encerrava algo muito de bom: a possibilidade de ser feliz por
mim mesma, não pelos outros, pelo mundo, pelas crianças, etc. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Adicione a isso a segunda percepção
negativa da coisa: eu vi muita gente no meu curso de Letras desistir do curso
nos primeiros anos. Na verdade, a grande maioria dos meus amigos da graduação
odiavam aquilo. E, olha, eu não poderia dizer que discordava. O que me manteve
até o fim foi a persistência, o gosto por estudar o que quer que fosse e a
vontade tenaz de ser professora. Pouco depois de iniciado o curso eu já sabia
que não fazia Letras porque amava língua portuguesa, linguística, teoria literária
e coisa do tipo, mas porque queria dar aula. Eu não tive o menor interesse de
manter meus estudos depois da graduação, o único momento em que isso me pareceu
interessante foi quando disseram que eu poderia ir pra outro país estudar...
mas mesmo essa ideia me fugiu da cabeça quando eu vi que podia ser <i>babá</i> no exterior. Pensar em ler a
literatura acadêmica da área e escrever algo sobre sempre me deu embrulhos no
estômago... Mas tiveram coisas boas no curso, com certeza. Refinei minha
leitura (embora tenha adquirido horror a livros, assim que terminei a
faculdade, mas isso passou) e eu gostava de algumas aulas de literatura, análise
do discurso, prática de ensino e sociolinguística. Sociolinguística foi muito
importante pra eu refletir sobre elitismo e por outro lado dobrar ainda mais minha
aversão por gramática, o que é um problema: eu não consigo decorar as regras da
gramática normativa, e até onde eu sei até o Bagno acha que, como professora,
eu deveria saber. Mas não sei. E detesto. Acho uma das coisas mais tolas que a
humanidade criou. Ficar se preocupando com isso, viver disso é no mínimo... deprimente.
É até bizarro que na mesma disciplina em que você trabalhe esse tipo de coisa
você ensine arte, literatura. Ninharias e regras ao lado de liberdade e transcendência.
Uma vergonha. Por sorte transformamos o ensino de literatura em ninharia e
regra também para não ficar tão destoante.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Então somem uma coisa a outra.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Enquanto isso, eu fui vendo
pessoas desenhando, escrevendo, tocando, cantando, dançando incrivelmente e
ficando com uma enorme inveja. Eu queria fazer cada uma dessas coisas, mas
sabia que enquanto eu tivesse aulas para dar tudo isso ficaria em segundo plano
e eu nunca iria fazer nada direito. Entendam, eu não sou a pessoa mais
multitarefa do mundo, ainda mais se me exijo tanta perfeição no que faço... Mas,
mais do que tudo, comecei a sentir que em lugar de mudar o mundo com ética eu
queria mudar o mundo com estética. Que não há nada comparado à sensação
transcendente da beleza, que nada comunica tão bem, tão libertariamente, tão
pacificamente quanto a arte, e que a linguagem que me interessa mesmo é esta sem
interesse de convencer, mas que envolve e compartilha um mundo, que transmite
uma ideia pelo debate mais honesto das almas... Entendem? Eu me preocupo
demais. Eu não sou do tipo que comenta uma desgraça, uma injustiça, como algo
de passagem, mas como algo que me fere, que me deixa impotente. Eu não quero
mais me sentir sempre frustrada, e eu quero mais é me alienar dessas preocupações
terrenas, sem deixar de lidar com elas, matando-as pelo que posso fazer de bom,
e não mudando as pessoas pelo meu discurso externo, mas pelo que eu possa mudar
por dentro delas. Da forma mais efetiva e que eu não consigo fazer em
discursos, porque eu não tenho certeza de nada.</div>Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-20310256.post-22622140764322785492012-07-27T20:07:00.002-03:002012-07-27T20:07:51.371-03:00Sobre desemprego e sonhos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://abobrinhaecia.files.wordpress.com/2012/05/522942_370854839629226_261705443877500_979489_719196577_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="270" src="http://abobrinhaecia.files.wordpress.com/2012/05/522942_370854839629226_261705443877500_979489_719196577_n.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Ser demitida foi uma dessas
situações de perda da minha vida que me fez perder o chão e me sentir um lixo,
mas não durou muito. Como das outras vezes (só que dessa vez foi mais rápido,
devido a experiência que tive nos outros episódios), logo percebi que esse era
o início de algo bom. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
É engraçado como quando as coisas
estão indo mal eu fico muito deprimida, mas quando uma tragédia acontece,
quando era de se esperar que eu pulasse finalmente de um prédio, dado o drama
que eu faço nos menores copos de água, eu fico de repente muito esperançosa e
otimista... É quando eu perco algo que eu percebo que no lugar abre uma vaga
pra eu ganhar algo novo, e que o novo pode ser ainda melhor. Ou, como no caso
do emprego, apenas não tão ruim.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Pelo bem da verdade, eu
praticamente me demiti dessa vez. Eu tava muito mal e isso ficou evidente
demais pra direção que não quis apostar numa professora a beira do colapso. Não
os culpo e até os agradeço. Foi um favor. Eu não ia me demitir, eu não queria desistir.
Eles fizeram por mim o que eu não tinha coragem, mas precisava fazer.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Eu sei que desistir não é das
coisas mais veneráveis, muito pelo contrário. Eu sei que eu sou uma desistente.
Eu me imponho metas muito distantes em prazos muito curtos e por não conseguir
correr além das minhas pernas desisto. E sei, eu aprendo (pode parecer que não,
mas aprendo), que eu precisava mudar esse padrão. E pensei em fazer isso com
esse emprego, mas... bom, não aconteceu. Quando penso que posso continuar
tentando, eu penso: ok, podemos, em outra escola, de preferência, mas eu já
cheguei à conclusão mirabolante, assustadoramente desconhecida pra mim, de que
não é isso que eu quero fazer. É chocante. Porque eu sempre me gabei em dizer
que eu sempre quis ser professora. Desde a quinta série eu decidi ser
professora de português, especificamente. E, de repente, eu mudo assim de
ideia, em seis meses de uma experiência ruim... pode parecer duvidoso, pode
parecer desistente, eu mesma desconfio de mim. Mas não muito.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
O que me fez pensar foi a
terapia. Minha analista perguntou: o que em sua professora da quinta série te
fez querer ser professora de português? E eu lembrei: o fato de ela ter passado
livros para a gente escrever. Foi quando fiquei maravilhada com a possibilidade
de ser... escritora! Não professora, escritora! Onde entra professora nisso
tudo? Foi sempre um condicionamento da minha mãe. Acho que ela mesma queria ser
professora, mas não sendo, me comprou lousa, me dizia desde sempre que eu ia
ser professora. Ela não me forçou, não é isso, mas implantou a ideia, digamos
assim... E finalmente eu tomei coragem de bater de frente com essa certeza e
questionar: mas é isso mesmo que quero fazer? É isso mesmo?</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Eu sei, eu já disse que desisti
de escrever para ser professora, o que é um contra-senso, eu já expliquei isso
tudo... Ser professora não é fácil. Você é cobrado pela escola, pelos pais,
pelos os alunos todo santo dia. E lida com as situações mais embaraçosas. Eu
não estou desistindo porque acho que não seria uma boa professora. Sei que não
existe dom, existe persistência, aprendizado... mas é isso mesmo o que quero
aprender até ficar boa? Sem contar que enquanto eu for uma má professora,
convenhamos, eu vou sofrer tudo o que sofri nestes seis meses? Bom...</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Tem muitas coisas que sempre me
encantaram na ideia de ser professora, dentre elas poder educar as pessoas para
construir um mundo melhor. Isso era o fundamental, aliás. Atualmente eu venho
me sentindo desencantada, com essa ideia de que pessoas éticas não se formam pela
escola, pelos pais, mas por puro e mero acaso. E ainda que não seja, eu não to
a fim de discutir pelo resto da minha vida certo e errado, bom e ruim, como se
eu tivesse certeza disso... Não tenho. E não estou dizendo que parei totalmente
de lutar por algo ético, de ser ética, mas não quero mais viver minha vida na
função frustrante de mudar o mundo, de mudar pessoas, por meio de manipulação
de ideias – porque desculpe, mas ser professora é saber manipular. E se ainda
por cima existe na gente um grande vazio existencial, daqueles que diz que a
vida não faz sentido, pra que tanto esforço com ética, educação, etc.? O mundo
vai continuar cagado e eu estarei morta.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Eu cheguei à conclusão hippie e
tola, mas sincera comigo mesma, de que o que eu quero mesmo é amar e ser feliz.
Se a minha vida não tem sentido, esse sentido eu não vou construir
artificialmente com ideais de mundo que eu sei que nunca se realizarão. O
sentido está, afinal, em ser feliz. Não hedonisticamente, mas tampouco
estoicamente (e estou usando essas palavras no sentido mais pobre). Eu quero
ter uma vida tranquila e feliz. Eu não quero mais ser a melhor professora, a
melhor escritora, a melhor em nada. Ou melhor, eu quero ser a melhor em viver
(desculpem o pieguismo e a autoajuda)... Eu decidi que quero um empreguinho. Eu
quero trabalhar pra viver melhor. Pensei em trabalhar numa livraria, numa
biblioteca, em algo que não seja atender dezenas de pessoas ao mesmo tempo e
que, se possível, me leve a lidar com elas, mas não em situação eterna de estresse.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
Continuo admirando professores,
médicos, todos que se esforçam muito e amam isso. Mas eu, sinceramente, não
amo. Não sou competitiva o suficiente, ou, se sou, compito comigo mesma e
surto. Não quero isso. Eu quero ser tranquila. E quero voltar sim a escrever,
fazer algo de significativo, mas sem pressa, sem grandes esperanças, sem medo
de falhar ou de acertar. Será que isso é possível?</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 16.5pt;">
<br /></div>Marcely Costahttp://www.blogger.com/profile/12089883735966365925noreply@blogger.com0