Outra coisa que noto sobre ter sido criada como evangélica num mundo não evangélico é a forma como muita gente não se importa em ajudar os outros/não têm isso como um hábito. Mas, ainda acho que isso tem muito mais um recorte de classe (gente que sempre foi rica em geral às vezes tem até um discurso igualitário ou de esquerda, mas na prática faz pouco ou quase nada pelas pessoas individualmente). Não que eu seja uma pessoa que acha a “caridade” a coisa mais linda do mundo – não, eu não acho. Caridade sem consciência de classe, sem luta anti-capitalista ou com elitismo é um troço bem inócuo, manutenção do status quo e acariciador de ego, na verdade. Mas eu acho que também ter discurso igualitário e ignorar morador de rua sempre, não doar uma roupa, não fazer um favor é bastante incoerente e coisa de quem nunca precisou de ajuda. E não significa que eu sempre ajude os outros e nunca seja uma pessoa egoísta. Mas que tento ajudar os outros sempre que possível, abro mão do meu conforto pra ajudar outra pessoa sempre que possível, nem sempre é possível, às vezes a gente que tem depressão é bem egocentrada e não quer “ver” nem“falar” com ninguém, tem medo de falar com estranhos, ou de sair, ou só consegue ter tempo para a própria dor e impotência. Mas ainda assim, eu tento. Tem gente que nem isso.
Gente que tem apego por coisas tipo livros, brinquedos de infância, roupas, isso me deixa meio puta da cara, pois sou essa pessoa que quando pequena viveu uma vida melhor graças a me doarem essas coisas, então eu retribuo e sei o quanto essas coisas, a curto prazo, fazem diferença na vida de alguém, “enquanto a revolução não vem”.
Então é algo que admiro nas igrejas esse tipo de coisa. É assistencialista, mas quem precisa de assistência agradece. Eu acho necessário as pessoas não só idealizarem e teorizarem sociedades perfeitas. As pessoas deviam buscar ajudar umas às outras como vejo acontecer nas igrejas, por exemplo: minha prima só conseguiu casar como queria porque doaram o vestido de noiva. Meu primo ganhou uma casa e mobília pra morar com a esposa (a casa o locatário não pede aluguel, a mobília a igreja se mobilizou pra comprar). E essa gente que faz isso não é nem super rica, é gente que apenas vê outra pessoa necessitando e tenta ajudar a medida do possível. Na igreja da minha mãe as pessoas ajudam muito umas as outras e não é à toa que tanta gente pobre acaba indo pras igrejas e essas igrejas estejam presentes em tudo quanto é periferia: porque as pessoas precisam e porque as pessoas ali sabem que têm com quem contar. Infelizmente, existe toda a intolerância religiosa, a homofobia e o racismo, o que acaba massacrando a cultura, a história e a vida das minorias que vivem nesses lugares, como a gente sabe. Mas essas pessoas só buscam por isso porque existe esse outro lado da moeda: a esperança e o fortalecimento dos laços comunitários. Acho que é algo que a gente poderia aprender com essas instituições e continuar se esmerando em ofertar, para que justamente as pessoas não fiquem presas a esse tipo de instituição e sofram com o lado negativo delas (que eu acho imenso).
E o sonho com o paraíso também é algo que ficou marcado na minha vida. Evidente que todo mundo, crente, descrente, todo ser humano, enfim, tem essa necessidade de redenção, de um sentido pra vida dela. Mas pra mim isso ficou em forma de: as pessoas em algum momento deveriam ter “um final feliz”. Algum momento todo esse sofrimento, dor, angústia, devia acabar e as pessoas deviam ser felizes.
Felizmente (ou não), eu não sou mais crente, portanto eu não acredito que tá ok a gente se foder aqui porque existe um mundo justo depois que todos morrermos. Então isso é que alimenta meu jeito de querer enfrentar e acabar com as injustiças do mundo: eu não consigo aceitar que as coisas sejam assim e não vá haver final feliz pra todo mundo. Eu não aceito jamais, de jeito maneira, nunquinha da silva quando as pessoas dizem “mas sempre foi assim, sempre será”. E eu não to só falando de ideais lindos de acabar com a opressão toda da face da Terra. Eu não aceito que as pessoas sejam cruéis umas com as outras mesmo que não haja necessariamente opressão. Acho ruim enfrentar que “o homem é o lobo do homem” e coisa do tipo. Porque se eu achar que as pessoas são ruins por definição, não vai existir paraíso nunca. As pessoas nunca serão felizes. E eu não consigo conviver com essa ideia.
Na verdade só consigo pensar que, no momento que eu realmente me convencer que as pessoas são ruins e egoístas inerentemente e não existe meio de termos uma convivência social harmônica, feliz, igualitária, sem opressão e sem crueldade, eu acho que me mato. Porque é isso que me faz seguir em frente, é essa centelha de esperança. Se eu não tiver ela, acho que o melhor que faço pra mim e pelo mundo é mesmo morrer, inexistir.
Um comentário:
me identifico muito com seus textos (:
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