segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Dica cultural com Marcely Costa: Synecdoche, New York
Bom, se você acha que eu só sei me lamentar, errou, eu sei também elogiar algo! Principalmente quando é algo que fala mal da vida – ok, isso não é bem uma grande mudança de assunto, mas estamos quase lá. Pra variar um pouquinho que seja então, preparei alguns posts que indicam livros e filmes que, bom, falam mal da vida, são tristes, quase sempre – ou não –, mas que fazem isso melhor do que eu pelo menos.
Como dica de filme da semana, indico hoje o filme "Synecdoche, New York", o último produzido por Charles Kauffman. Sabe o Charles Kauffman, o roteirista de filmes como Brilho eterno de uma mente sem lembranças – filme favorito de toda colorida que se preze! – e o filme Quero ser John Malkovitch? Pois é, ele mesmo. Se você não conhece, fique conhecendo, é um ótimo roteirista – ah, tem o Human Nature que também é ótimo, pros filósofos de plantão, irão adorar...
Não é assim aquele filme que indico pra assistir com a família comendo pipoca num domingo à tarde. É pra assistir no máximo com uma pessoa séria do lado e muito concentrado, porque afinal os roteiros do Kauffman são conhecidos por serem uma confusão só – o que não quer dizer que seja um cult chato que só serve pra você contar pros seus amigos e exibir "como você é espertinho", tipo Ingmar Bergman – que eu juro, comecei a assistir e desisti, junto com alguns outros cuja temática é... não ter temática ou é fazer você sentir entediado (o que não é seu propósito, eu imagino, quando você busca ler um livro, ver um filme, etc., pelo menos não é o meu).
Mas, voltemos ao Kauffman e paremos de criticar aquilo que não gostamos ou muitas vezes apenas não entendemos como deveríamos. Os filmes dele são confusos porque a linha do tempo é descontinuada, quase sempre. Mas se você assistiu 21 gramas (outro filme que indico), não é porque o filme é descontinuado que é ruim, não é mesmo? Brilho eterno é um exemplo de descontinuação que tem motivo de existir. E depois que você assiste um ou mais filme do mesmo roteirista você acaba percebendo que aquele é o #jeitinhodele, afinal, e que é esse jeitinho que dá a graça pro filme.
Falando em filmes confusos e difíceis, Kauffman é o mais sossegado de todos. Ele só é confuso em parte, ele não é nebuloso do tipo que quer ser uma charada, não é do tipo difícil que você gostou só porque você entendeu e sua mãe não.
No caso do filme em questão (Synecdoche, New York), o filme não é descontinuado (embora o personagem principal seja um tanto confuso com o tempo e te confunda com isso também), mas pode-se dizer que ele é cronológico. E além do mais, tem muita coisa muito simples de entender, a história não é um bicho de sete cabeças... A graça está justamente no filme ser muito linear, contar uma história muito verossímil e de repente, uma das protagonistas ir morar numa casa que está pegando fogo, enfim, um nonsense pipoca às vezes e nem venha me perguntar se aquilo tem uma mensagem profunda por trás, eu não me pergunto. Acho legal, é como uma pitada de surrealismo, de imaginação, nada demais, isso não afetará em nada sua compreensão do filme. Eu como viciada capilar, achei até muito poético uma ruiva escolher uma casa pegando fogo pra morar.
Bom, deixa eu dar uma ideia de sinopse e parar de justificar o filme.
O filme começa com o protagonista acordando e no rádio estarem falando sobre outono, sobre a recorrência do outono na literatura, pedem pra uma professora de literatura citar um poema que citasse o outono e o poema é deprimido from hell, quase macabro. Bom, eu acho esse começo do filme praticamente didático. Só faltou o diretor aparecer em cena e dizer: esse filme é sobre o outono e a metáfora do outono da vida, a decadência, o lento apodrecimento outonal da vida... enfim, eu não achei isso assim, desmerecedor, achei honesto de um roteirista que, como eu disse, não quer complicar a vida do espectador, mas quer maravilhar em certo ponto.
Outra coisa muito óbvia do filme é a fotografia – sempre com detalhes amarelos, vermelhos e tudo muito sujo e envelhecido – tipo: É SOBRE O OUTONO O FILME, ENTENDEU? QUER QUE EU DESENHE? Foi mais ou menos isso.
Vai ver por ser professora eu gosto de clareza e didatismo, hehe! Mas, ok, prosseguindo com o filme... A vida do protagonista é irrelevante, atrapalhada, uma merda. Mas não é entediante – porque tem esse toque do maravilhoso, justamente. Acho que esse dosar das duas coisas foi essencial. Posso dizer que esse foi o primeiro filme que eu não senti: "é uma merda a vida deles, mas é melhor que a minha". Não, ele é muito real e atual em mostrar esse lado de que a vida não é nada fantástica como transparece nos livros/filmes etc. Ele é bem claro também em se mostrar uma metáfora pra máximas como: "a vida é como um palco de teatro" em que a gente "está sempre ensaiando". A gente está sempre pensando que aquele será o "grande momento", mas nunca é, tudo é irrisório e ao mesmo tempo, é vida e indispensável pro desenrolar dos fatos...
Ah! Esqueci de falar. O filme também fala muito sobre a solidão. Todos solitários, passando pelo mesmo, talvez, mas, por isso mesmo, ninguém quer saber da miséria do outro... Como se só existisse nossa própria miséria.
A verdade é que o filme fala TANTO sobre os elementos cruciais da vida... no caminho pra morte.
Se eu estivesse deprimida, talvez ao assistir ao filme eu teria me matado logo em seguida xD. Acontece que é bem isso, a vida é tão irrelevante, sem grandes momentos, sem piores momentos... é apenas um fluir contínuo de fatos decisivos mas sempre aparentemente corriqueiros... Eu achei o filme uma obra de arte nesse quesito. Ele descreveu muito bem o que pra mim é vida e o que a arte vem tentando elucidar a tempos mas por seu caráter fictício e maravilhoso demais acabava nunca conseguindo focar.
Isso dialoga totalmente com Ítalo Calvino, o autor que eu vou falar da próxima vez e que disse aquilo que eu queria ouvir sobre isso.
Acho que é um discurso que está me afetando no momento, no meu passo pra maturidade e na perda das ilusões. Acabou o sonho romântico de um gran finale. Eu também devo estar vivendo meu outono... antecipadamente, talvez.
Resumindo tudo: a vida não é feita de máximas nem de mínimas, ta sempre na média mediocridade.
Um trailer do filme pra vocês:
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