Uma
coisa que percebo nessa geração de deprimidos é que eles se cobram
muito, tanto produtividade quanto identificação, essas são as duas
maiores ciladas.
A
gente vive num lugar e época em que o grau de liberdade é
potencialmente enorme, muitos podem ter a religião, formato,
filosofia de vida e trabalho que quiser, no entanto não se permitem
escolher ou ficam à deriva nesse mar de possibilidades, é aí que
entra a cilada da identificação.
Talvez
pela sensação de solidão, por querer pertencer a algum grupo e ter
legitimidade e apoio em suas escolhas, as pessoas caem na
identificação. É uma coisa muito adolescente, por sinal. Que tribo
é a sua? Qual pertencer? E, onde entra a maior cilada: qual a
mais certa e a mais feliz?
Não que não seja importante
ter amizades, pessoas que compartilhem ideias, crenças com a gente,
o problema é querer pessoas idênticas a nós e nisso tentar
ser idêntico a alguns outros (essas são as mesmas pessoas,
por sinal, que farão de tudo para adequar os outros, que considera
mais imperfeitos que elas, ao seu próprio sistema). E, pior ainda,
depositar nessa crença da identidade que assim será mais certa e
mais feliz. O que tenho que fazer igual ao outro para ser feliz? Que
modelo eu devo repetir? Aí começa uma jornada em busca de uma
certeza e felicidade que nunca chega, porque a felicidade é
justamente o oposto disso.
Felicidade não é ser igual ao
fulano ou à fulana bonita, forte, talentosa e produtiva, não é o
sistema de crença nem o formato de vida que você idealizou no outro
como mais perfeita que a sua. Felicidade é encontrar a si mesma, os
seus próprios gostos, a sua identidade (que é, de alguma maneira,
única). Você tem que se aceitar. Você não vai ser Van Gogh, você
vai ser você, assim como Van Gogh foi ele mesmo e não os outros
pintores que fizeram um baita sucesso em vida, ainda bem, né?
Isso tudo requer humildade pra
perceber que você não é uma deusa onipotente que sabe todas as
verdades e caminhos certos da vida e também você não vai ser a
Beyoncé. Quem sabe finalmente você irá notar que as pessoas,
todas elas, não só seus ídolos, têm talentos, são importantes.
Seja por jardinarem bem, por amarem bem, ou lutarem bem, ou fazer
rir, ou cuidar bem, enfim, cada pessoa tem seu próprio talento,
jeito e ritmo. E todas são dignas de amor.
A vida não é como fizeram
crer na escola e no sistema capitalista: um só jeito de ser adulto,
um só jeito de ser bem sucedido, um só jeito de ser inteligente, um
só jeito de ter talento, uma só resposta certa e um só ritmo, se
não você errou e não merece carinho. Não que não exista verdade
ou certo, moralmente falando. Mas não existe modo de viver a vida
mais verdadeiro ou certo que outros.
Se tem uma coisa que esses
antidepressivos me ensinaram, rs, é que eu preciso parar de pensar
em outros e pensar em mim. Que minha identidade e a minha vida cabe a
mim construir e não tem comparação. Eu preciso parar de me
perguntar qual a chave da felicidade da fulana e me perguntar qual a
chave da minha felicidade. O que me faz feliz? A
resposta não é instantânea, infelizmente, tenha paciência. E é
importante ter em mente também que qualquer que seja a resposta
agora ela pode mudar com o tempo. Quando criança eu gostava de
calor, agora é o frio que me faz feliz. Saber isso é extremamente
bom, porque assim eu fico menos assustada com a perspectiva de perder
qualquer coisa que me faça feliz neste exato momento: as coisas que
me fazem feliz mudam. Se eu perder alguma delas novas surgem.
Talvez seja mais fácil
responder: o que me torna infeliz?
O que me torna infeliz, eu,
Marcely, são as metas externas. A produtividade que o mundo
capitalista me impôs. Eu preciso do meu próprio tempo, acordar no
meu horário, fazer coisas lentamente ou simplesmente não fazer
quando não quero. É muito complicado me livrar da culpa que carrego
por ser assim, mas estou tentando me perdoar por eu ser eu e não a
funcionária ideal de um sistema injusto e cruel. Engraçado que
quanto menos me culpo e me cobro, mais eu produzo. O problema é que
não dá para chegar nesse estágio simplesmente sabendo isso:
que se eu largar mão eu irei fazer, porque ainda continuarei
mentalizando que preciso fazer. Para isso eu preciso mudar o
meu objetivo, o meu objetivo não é fazer coisas, mas ficar bem,
feliz. A minha felicidade e bem precisa vir primeiro que a do mundo
inteiro, não tem como eu fazer nada pelo mundo infeliz, não é
egoísta querer ser feliz. Esse objetivo é fundamental: eu ser
feliz, saudável, em paz em primeiro lugar. Primeiro ponha a máscara
de oxigênio no próprio rosto, depois no rosto das crianças.
Mas essa é a minha resposta,
qual a sua? O que te faz infeliz?