quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

Nada que acrescente

Duas e meia e Daniel tava dormindo que era uma beleza. Fiquei assistindo com muita angústia o final daquele filme com a sogra sádica e homicida e pá, final feliz recompensando minha vontade de ligar pra personagem do filme que era o marido dela pra ele ir lá salvar ela e o filho. Terminou, desliguei a tv, ainda sem sono, fiquei girando pra lá, pra cá, levantando a perna pro ar, enfim, até que comecei a pensar que, se [s] e [z] são foneticamente semelhantes a não ser pelo fato de uma ser surda e a outra vozeada, se eu sussurasse uma palavra com [z] ia parecer [s], já que no sussurro a gente não usa a voz.
- Mazzela, mazzzzela, mazela, mazela.
Daniel dá um tapa na minha cabeça.
- É um estudo científico, Daniel, vou sussurrar pra você e veja se descobre se estou falando ¨zela¨ ou ¨cela¨... zela, zela, zela, zela, zela.......... - nada - zela, cela, zela, cela... você vê diferença?
- Um pouco...
- Pato bato pato bato pato bato...
...
- Saussurre dizia que o signo é arbitrário.
Quatro, quatro e meia, por aí, eu quase conseguindo pegar no sono e:
- Eu fui abrir a Sidra e a tampa vôou, quicou na parede de fora da cozinha e foi parar lá no quarto da Catucha... Maior pressão, deve ser por causa do gargalo longo e...
- Nossa, se pega em você quebra seu nariz...
- É, aquele gargalo longo forma pressão e (insira algo de explicação física aqui)....... Deve ter sido essa garrafa que aquela menina se masturbou - qual o menino que não conhece a lenda da menina que foi se masturbar com uma garrafa que criou vácuo e ela teve que ir de saia para o médico, acompanhada com os pais, pra conseguir tirar? -, por ser longo o gargalo cria maior vácuo e é melhor pra... pro...
- ...É mais anatômico.
- É. Mas que idiota, né, meu? Ela devia ter segurado dos lados e batido o fundo pra quebrar, ou enfiado um canudo perpendicular ao gargálo pra tirar um pouco da pressão a não ser que... (insira mais explicação física).
- Hum... ô.o
...
- Hahahaha... quando eu era pequeno colocava umas almofadas da minha avó na frente da escada e subia uns dez degraus e pulava.... Nossa, que sem noção, eu não faço isso nem hoje em dia...! - reparem no ¨eu não faço isso nem hoje em dia¨.
- Uma vez eu caí de uma escada enorme.......
- Por quê?
Tentando lembrar porquê lembrei de vários flashes de eu caindo da escada: um em que minha mãe vendo que eu cairia, institiva e heroicamente me abraçou e foi rolando comigo até em baixo, outro em que não minha mãe, mas uma menina negra de trança que sabia tocar piano (eu admirava ela, seja quem for que era) que caía junto comigo, mais ou menos abraçada. Em outro ainda era meu primo contando que já tinha caído e algumas outras crianças também e que era muito legal cair, e que a mãe dele pegou ele no colo depois. Se eu realmente caí ou me joguei (e se foi com mais alguém) eu não tenho certeza, só tenho a lembrança de uma enorme escada de pedra que ia até uma porta, e uma lembrança bastante vívida (ou pelo menos detalhada) de ir quicando, rolando, de um lado pro outro, pelos degraus.
- Eu não sei se caí, se minha mãe caiu comigo...
- Não viaja, Marcely...
- Me deu vontade de fazer xixi... - lembrando do copão de sidra que eu tinha tomado.
- Vai lá.
-...
De repente me dei conta de que estava com medo. Não tinha idéia do porquê também. A única coisa que me ocorreu - grandes probabilidades de que tenha sido exatamente isso - foi de ter lido O Menino do Dedo Verde e isso ter me impressionado. E não me perguntem porquê eu me impressionaria com O Menino do Dedo Verde, acho que foi simplesmente por despertar minha imaginação que é bastante fértil (e/ou eu que sou crédula demais). Mesmo assim me levantei. Levantei, me assustei com algo e corri de volta pra cama.
- Que foi isso, Marcely?
- Eu vi alguma coisa branca se mexendo.
- Que coisa branca se mexendo, Marcely, não viaja...
Levantei, vi de novo, e corri de novo pra cama. Ele me força a acender a luz e mostrar o que era... Era um livro. Fui ao banheiro, sendo que ele fica de frente pra escada. Eu sempre acredito que algum assassino ou monstro irá estar lá embaixo, e sempre tenho medo de olhar, e sempre olho porque o meu medo mesmo é ser pega desprevenida (também sempre verifico dentro do box do banheiro), pois por mais que eu já tenha 19 anos e seja racional, eu levo minhas alucinações em consideração justamente porque tenho medo de, se ignorá-las, ser pega desprevinida. Assim como só alimento minha hipocondria porque acho que a hora que eu duvidar que aquela dor de cabeça é um tumor, aí sim é que vai ser. A vida é irônica.
- Coisa se mexendo, né? - aquela voz adocicada assustadora.
- Não me bate!
- Não, vem cá, vem, vem deitar...
- Por favor!
- Deita... deixa que eu te cubro...
- Não me mata!
Eu sempre acredito na atuação de pai estúpido do Daniel.(E isso não é nenhum fetiche, ok, mentes podres e freudianos de plantão?).
Cinco, cinco e alguma coisa Daniel levanta.
- Pra onde você vai?
- Vou... pular corda!
- Ah... por quê?
Imagino que saindo no meio da noite assim ele vai me trair ou buscar uma faca na cozinha pra me matar, obviamente. Demora.
- Nossa, acho que sonhei enquanto mijava...

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