sexta-feira, 23 de junho de 2006

And the oscar goes to...

Os olhos

Mais uma vez seus olhos sonhadores pro meu lado. Ela sabe que consegue (ou sabe que tenta) imprimir sua alma por ali e, na verdade, isso não me atrai – pelo contrário. Talvez no começo, mas as coisas cansam, creio que ela mesma se cansa dela. Amua-se num canto qualquer e mais uma vez seus olhos dão o aviso do que se passa lá por dentro, e isso me irrita – não que eu assuma pra mim mesma –, já se tornou previsível demais tudo isso que transborda dela com tão ingênua honestidade. Ela me faz enxergar – e quando percebe seus olhos soltam chispas maliciosas – que estou da mesma forma que ela, identicamente perdida, com olhos mais opacos ou não, a boca frouxa pra traduzir esse texto que se repete. Ela se acha muito esperta. Ela é muito esperta e por isso mesmo não é, só consegue ser esperta pra ela mesma. Às vezes lhe bato (no fundo ela deve saber que merece quando revida com menor intensidade), ela esbraveja com olhos magoados que me incitam a ser ainda mais violenta... Não é por menos que tenha saído de mim própria esta cópia de toda minha tolice. Disse que a queria de volta, que a amava, e que amor iludido! Não de mãe, vocês já devem ter entendido... isso é por demais estranho. Talvez devêssemos combater toda essa monstruosidade quebrando paredes e monitorando a todos. Mas quem nessa sociedade toda perdida monitoraria? Talvez uma meia-criança como ela, tão sonhadora que ainda que participe dessa perversão é justa o suficiente para carregar uma bandeira proclamando respeito e bondade pelo mundo. Será que não a eduquei para que soubesse que essa droga de sociedade é toda tão corrompida quanto nós? Que essa justiça na realidade é o que apoiamos na rua e infringimos porta à dentro? Lá fora, ainda assim, é nosso confessionário quando, arrependidos, gritamos contra nós próprios.
Ela sente o maior prazer em baixar os olhos e dizer exalando um pedido de socorro fingido – ela sabe jogar isso a seu próprio favor, sente falta da piedade que não lhe dou –: "sou abusada pela minha própria mãe". E com toda sua criancice ganhe o choque e pena das pessoas e sorri por dentro maldosa, depois olha sádica pra mim quando as pessoas nunca mais retornam de tão assustadas. Hipócritas! Todos nós, quero dizer, por que ainda estaria lhes criticando?
Eu a amo... ou amava. Amava quando era mais proibido, sejamos francos – e isso é estúpido, assumo. Ela agora sabe o que faz... que coisa, não seria maldade, ela continua a mesma criança que sempre foi, apenas mais madura e gosta, sejamos francos, ela mesma sabe! Mas faz disso seu inferno só por pena de si. Diverte-se em ter auto-piedade e acreditar em sua dor inventada. Talvez a ingenuidade dela a faça querer excluir sua culpa disso tudo, e acredita até mesmo que não é auto-piedade o que sente sendo forte e dizendo que isso não a machuca. Ela mesma se faz um pedaço de isopor em meio ao mar violento de seus pensamentos, sendo jogada de lá pra cá aceitando com a resignação – e orgulho – de que era isso mesmo o que queria. E se orgulha, e se desorgulha... Às vezes tenho vontade de lhe gritar: filhinha, logo você cresce, vai se casar (e se mandar daqui). Será que ela pensa que será assim pra sempre? Já não agüento mais... sinceramente, já estou sendo forçada a fazer aquilo que forcei, e não sou o tipo que se submete, devem ter percebido que gosto de me sentir má também, os olhos com chispas dela nasceram mais da minha vontade de demonstrá-las nos meus próprios olhos do que de meus genes doados.
Fico pensando naquelas conversinhas de mães cujas vidas "foram modificadas por sua maternidade" e sinto vontade de rir alto. Tenho ultimamente sido sarcástica por causa de todo esse sentimento que me dá vontade de dar um tiro em nós – mas embora eu seja de fazer o que quero isso eu prefiro fingir que não. Mantenho-me por meio desse sarcasmo desesperado, desse cinismo infernal, cada vez mais me dobrando sobre meu próprio estômago onde foram parar chispas que voaram dos olhos dela. Estou quase a acreditar no inferno quando me sinto toda assim pegando fogo por dentro, com um coração de plástico derretendo em chama forte... derreeetiiiidoooooo. E dobrando, rosa, pinga e morre deformado.
– Lúcia, daqui a pouco você vira moça e casa, já pensou que bom?
Como eu previa: olhos surpresos. Um pouco assustados. Ela se perde cada vez que não sabe o que dizer ou quando nunca pensou no assunto. Me pergunta com os olhos: você quer que eu me case? Que pergunta estranha! Sinto vontade de estapear a boca entreaberta dela, como se me acusasse de... que coisa doentia.
– Vai tomar banho, vai, ou vai se atrasar pro colégio!
Nem é hora de aprontar o almoço e eu já ponho a salada pra lavar, creio que quero me purificar junto. Que coisa estúpida, eu me envergonho... Certo, nunca mais faço, então, isso já está me desagradando. Que pensamentos! Ligo o rádio para espantar esses vultos tortuosos. (Será a música a justificativa para todo o mal?).
– Toma.
Entrego o pacote com o lanche. Ela me olha constrangida, quase humilhada, sabe que isso é um não que lhe contradiz sua crença de inocência – tão acostumada a ser coagida que tomou a iniciativa, (mais tarde tomará isso como justificativa). O que me mata é que ela sempre será a vítima pra esse olho grande que me convence – a moral –, quando eu é que, na verdade, sofro e não posso reclamar...
...Vontade de gritar!
Depois que tiver entregado ela na escola vou bater o carro.

Comentários

Mais uma vez provando que o sensacionalismo sempre dá certo. E sim, este foi o conto que ficou em 3o. lugar no concurso da UFPR. Só avisei minha família que ganhei, e eles: "mas cadê o conto?"... ahn... hum... ali! Ali! *aponta*. Eles se viram e eu saio correndo.
Meu pai gosta de José de Alencar...

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