sexta-feira, 2 de junho de 2006

Piegas no meu pau, então

Essa manhã, dentre muitos sonhos, acordei de um assim: Eu era um garoto ao telefone com o ex-namorado da mocinha na minha frente. A mocinha na minha frente estava com um outro moço e dentro de um quarto com a porta semi-aberta. E o moço do telefone perguntou como ela estava vestida, eu respondi: "com um vestido verde claro e um laço no cabelo". E o moço do telefone respondeu: "ela se veste assim pra sonhar que está no século 210Q, as latas de lixo crepitam lá fora e ela tem medo de que ele não volte mais". Enquanto isso ela deitava na cama com o outro vestido só de calça, e me dava um tchau molengo e piscava.
Ela era tão bonita... Tinha os olhos verdes.
E aquela bunda era do Daniel.
E eu tenho sonhos tão dementes, mas ao mesmo tempo tão cheio de enredo e sentido para um sonho. São um entretenimento.
Acordei desse com o despertador e fiquei um bom tempo meio poética, pensando em coisas, em coisas que eram pra ser escritas se eu não estivesse moída de cansaço. Mas agora que eu estou quase recomposta vamos ver se eu escrevo (com um comentário antes: Chico Buarque é tão foda, ou estou ficando velha pra achar que as letras dele fazem um enorme sentido? Tenho só 19 e já beijo com a boca de hortelã... Queria morar na rua Chico Buarque com Machado de Assis, imagina só! *.* Por falar em Machado estou “vendo ele” em Literatura Brasileira. Toda vez que entro na aula dele sinto que esqueci de pôr o véu, sério mesmo, por instinto (porque quando eu era religiosa, meus cultos eram acompanhados com véus pelas mulheres) e juro também pra vocês que meu professor segurava uma Bíblia. B-Í-B-L-I-A, no sentido de livro de ficção religiosa mesmo, enquanto falava dele, o professor lia contos do Machado dentro do livro. Era sim, uma bíblia, grossa, capa preta, folhas finíssimas e até com os beirais vermelhos. Quando falo que Machado é deus vocês não acreditam, mas cheguei até sentir um quentinho emocionado e transcendental por dentro na última aula).

A nostalgia branco gelada

Eu estava deitada, tentando dormir, mas a claridade não deixava meus olhos, e lá fora eu ouvia uns carros distantes que pareciam andar na chuva, faziam um som sempre cinza e lembrei das paredes branco-gelo que tinha formato crespo de pingos e que me lembravam dois lugares em que as havia: o apartamento simples em frente à praia da minha avó e o hotel em Poços de Caldas. Todos com uma atmosfera branco-gelo de nostalgia de céu carregado, que sempre lembravam um daqueles quadros noturnos que cheiram a naftalina com uma criancinha de pijama e um pai-nosso embaixo. É assim essa nostalgia. E lembrei, claro, de quando era criança, no mesmo apartamento da minha avó, aberto o porta-jóia dela, do qual eu sempre tirava o colar de miçanga vermelho, dispensando o outro que tinha uma Virgem Maria, com medo até de tocar nele. Abria o guarda-roupa para olhar o espelho de corpo inteiro, e lá dentro via outras imagens de santas triangulares e azuis-marinhos, me preocupando em pouco olhar pois vai que eu ficava enfeitiçada por alguma macumba? Medos que minha mãe me educara dentro. E ficava olhando, olhando no espelho, cantando, fingindo ser outra, falando baixinho. Minha avó aparecia pela porta e dizia: "Vai ficar com indigestão, não pode comer e olhar no espelho". Meu pai confirmava. Ah a religiosidade...!

Anoitece

Mas a verdade é que eu menti sobre o fim da minha nostalgia. Bom, quando é que eu não fujo do assunto? O fim não era religioso ou avesso a religiosidade (o que eu sei muito bem dá no mesmo, mas a gente precisa da crença pra viver, e também a arte é realmente um tipo de religião, nesse caso eu me assumo a mais cheia de superstições. Sim, eu me acho artista, pelo menos caracteristicamente, afinal eu tenho o verdadeiro perfil de artista: acho que tudo que faço é uma grande bosta, odeio trabalhar (vide o Chico com seu Cotidiano e sua Construção, tudo vagal, fazendo do trabalho assunto pra uma verdadeira tragédia real, martírio pessoal), me visto mal e sou mais desbotada que foto em orelha de livro, e não tive infância, sonhei o tempo todo. Olha eu fugindo do assunto de novo). A verdade é que na hora em que eu me lembrava do colar de miçanga vermelho pensava nisso:

A nostalgia cor de coral

... quando era criança, no mesmo apartamento da minha avó, aberto o porta-jóia dela, do qual eu sempre tirava o colar de miçanga vermelho... Um colar velho, que era fora de moda mesmo pra época, e minha avó guardava mais por lembrança. Talvez não se achasse em idade mais pra usar um colar chamativo, uma avó daquela época que era. Não digo por saudosismo, mas era uma que achava que estava desatualizada pra comprar enfeites, quem se sentiria saudoso de algo assim? Mas, é verdade, hoje em dia são tantas lojas que a idade de terceira mudou pra melhor, e qualquer idade se sente meio assim em dívida com todas essas lojas e lojas e lojas que abrem e nos criam necessidades do tamanho de muralhas e nos melhoram a vida se pudermos com ela. Na verdade parecem grandes mendigos que nos dão brindes em troca (no lugar de deus te abençoes), quase a mesma sensação de contentamento e nos fazem sentir culpados quando aquela que estava às moscas morreu e ganhou um epitáfio de “aluga-se”. Mas o colar, naquela época, tinha o único valor de despertar sonhos e ser minha capa de super-mulher, embora fosse, é verdade, um colar feio que quase parecia mesmo de brinquedo.
Ah, a religiosidade ideológica!

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