O conto do Machado O homem célebre, desde a primeira vez que eu li, sempre me serviu como uma alegoria para a sensação de “desejando o imortal, fazendo o medíocre” que tanto faz parte da minha vida. Este blog. O título “filosofia crônica”, por exemplo, embora aqui ou ali eu tente tirar uma moral da história que deseja ser filosófica e não é, não combina em nada com o blog, o único nome que ele deveria ter era de privada cerebral, ou como a Marla pôs no próprio (falecido?) blog: “um arroto emocional”. Mas se o conteúdo deixa(rá) sempre a desejar, que pelo menos o nome fique pomposinho ali em cima para que, pelo contraste dele e da poesia ao lado, tudo pareça ainda pior do que já é.
Sim, hoje estou na fase hormonal em que fico descontente com a vida, com as coisas, as pessoas, com tudo. Atravessei duas vezes de forma irresponsável a rua e no fundo tanto fazia se me atropelassem ou não. Dessa vez arranquei as folhas das árvores não pra acariciar, mas pra despedaçar. Ódio gratuito (ou não) pelo mundo.
O mundo é ruim e bom, porque eu sei que é bom só agora. Mas é superficialmente bom, a gente sabe. Oras, se apaixonar acontece, amar as coisas por isso é normal, mas o mundo não fica de fato melhor por isso. As pessoas continuam sendo odiosas, todas elas incluindo a gente mesmo.
Hoje o que desencadeou a raiva foi primeiro a crítica ao livro que gostei. Nunca aceito bem as críticas – criticar o que a gente gosta é criticar a gente. Se não bastasse isso, o livro criticado foi uma leitura obrigatória indicada pelo próprio autor da crítica. E tem umas 500 páginas. E eu quase me matei pra terminar de ler a tempo. Eu sei que nada é passível de críticas, acho ótimo que a gente também veja a parte negativa de tudo, mas se a parte negativa se sobressai, por que, meu deus, fazer todo mundo ler uma coisa ruim? Me diz por quê? Se tem tanta, tanta, taaanta coisa boa ainda que eu nem toquei ainda pra começar a ler?
O meu curso anda com essa bobeira repetitiva. Todos os professores acharam graça agora em passar textos ruins pra gente ler. Levam provas ruins pra gente analisar, textos ruins pra gente criticar, atitudes ruins pra gente atacar. E o que se supõe então que seja bom? Esse é o problema, esses professores estão me pondo em frente ao espelho: eu que sempre só ressalto as coisas negativas da vida, preciso agora dizer que só ver o negativo não leva a nada, a gente precisa de algo bom pra se orientar.
Outra coisa idiota de tudo isso é o quanto a crítica só serve, na maioria das vezes, para uma masturbação mental. É criticando o que tem de errado no outro que eu me sobressaio como melhor – mesmo que eu não tenha nada de melhor ou até mesmo erre da mesma forma.
E eu gosto muito dessas aulas da manhã, das dicas de filmes, livros e livros que o professor dá, as dicas do que é bom ou ruim esteticamente (eu acho incrível como ninguém nunca relativiza isso, deixo aqui explícito que disse o bom ou ruim com toda a ironia possível...). Mas ao mesmo tempo ele e aquelas aluninhas entupidas de livros, teatros e cinema saindo pelos ouvidos, me irritam depois de um tempo. A nata da sociedade intelectual. Me irrita, me irrita. Eu gosto de cultura erudita, ou seja lá como se chama isso, mas a pessoa que fica se ensaboando com isso o tempo todo, vomitando e comendo de novo o que leu, o que viu ou ouviu só porque “gostar de tal coisa é o máximo” é irritante. De novo eu me pergunto se essas pessoas realmente gostam ou só fazem tal coisa pra se aparecer. Pode ser que gostem, mas a forma como só falta andar com um currículo de acervo cultural estampado na cara me faz pensar que ler, ver e ouvir a coisa não basta, não é tão bom assim se não fosse pelo fato de poder esfregar na cara dos outros intelectuais de merda ou se gabar para os ingênuos que estiverem assistindo boquiaberto a eles. De repente eu me sinto bem por ser uma “contra-cultura” aparente, porque meu cabelo e minhas roupas depõem contra mim, porque ou as pessoas me enquadram como emo, ou como roqueira, ou como aluna de designer, ou, enfim, como babaca e burra simplesmente. Eu sei que as pessoas me subestimam. E de repente eu me sinto bem por isso, agressivamente bem por ouvir algo como “vida e mente vazia”. Porque eu posso contradizer. Porque autocrítica pelo menos, ao contrário desse bando de babacas, pelo jeito, parece que eu tenho. Vida vazia, mente não. Minha mente está morbidamente consciente de que gente que diz palavrinhas como essas ou tentam nos impressionar é a mais deprimente. Que eu mesma sou deprimente porque nem eu me salvo dessa panela de vaidosos intelectuais. Eu quero morrer, me anular só de pensar nisso. Vontade de ficar reclusa, largar tudo, pegar toda a coleção do Harry Potter e ir reler. Agora eu entendo porque sempre que fico de férias da faculdade só leio “porcaria”.
E como eu sou capaz de detestar até aquilo que amo porque nada está livre da minha crítica, basta me desagradar.
Sabe quando Joãozinho-óculos-fundo-de-garrafa apanhava na escola por ser diferente? E sabe quando ele começou a ser elogiado porque era inteligente e ainda mais por ler, e por perceber que ser diferente, no fundo, no fundo, é o que todo mundo deseja? Aí criaram um monstro no Joãozinho. Antes ele tivesse morrido pelas pancadas dos marmanjos da escola. Antes de ter ficado um ser bisonho e arrogante, pelo menos tivessem lhe quebrado todos os dentes pra tirar a graça do arzinho intelectual. Porque o pobre Joãozinho viveu apanhando e sentindo uma enorme vontade de auto-afirmação, sobrevivendo, mas com uma carência infinita. Esse Joãozinho vai morrer tentando arrancar os únicos elogios que sempre ouviu: “você é inteligente, Joãozinho, que bom que você leu tudo isso”. Joãozinho é tão tapado quanto os fortões da escola. Como professora eu sei, todo aluno é tapado. Todo ser humano tenta se afirmar mas é um merda (quanta novidade! ¬¬).
Só eu me salvo, só eu. Eu que digo tudo isso e sou tão idiota quanto todo o resto, sou incrivelmente boazona. Estranhamente as pessoas é que me abandonam. Eu, Joaninha, sempre sendo deixada pra trás, por mais que tente sempre fazer com que os outros me admirem. Mas eu sei que os que me deixaram vão se arrepender pelo resto da vida, eu, euzinha tão especial, eu que leio.
(fica aqui exposto que eu gosto realmente de ler, ver e ouvir coisas rotuladas como boas por sei lá quem (Deus?), assim como também muito de coisas ditas ruins. Tem que se gostar pelo prazer, deus meu, afinal eu ainda vou provar que esses rótulos de qualidade não estão tão certos assim.)
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