Ultimamente, sempre que vou escrever, tenho receio de já ter dito tudo aquilo que vou falar, isso porque esqueço demais as coisas. E o pior é que ainda teria usado as mesmas metáforas, não duvido nada. Não é triste? Eu não estaria vivendo tudo de novo porque esqueci até as experiências acumuladas?
(Este texto era pra ser uma transcrição do que escrevi ontem durante a aula de Literatura e Canção Popular, mas pra cada palavra copiada do papel para o computador, eu formava uma frase totalmente nova. Meus pensamentos sempre aquela água que muda de curso enquanto passam pelos meus dedos. Acabou que desviei totalmente do curso das idéias e acabei desembocando em outro mar, outro texto)
Fluxo de sentimentos – Parte 1
Dizem que os esquimós têm vinte nomes diferentes para a neve: um nome para a neve fofa, para a neve mais branca... porque, para eles, neve não é uma coisa só, eles que convivem tanto com a neve. Se nosso mundo fosse meu e nossa língua fosse minha, teríamos bem mais que vinte nomes diferentes para melancolia. Pelo menos melancolia é uma palavra bonita (como neve), é verdade, mas tão insuficiente pra abranger tudo que abrange...! Algum professor de psicologia deveria fazer um artigo, tese, texto acadêmico no qual elencasse e categorizasse os vários (milhares) subtipos de melancolia. Seria interessante.
Mas pior ainda são os sentimentos decorrentes da nostalgia ou da epifania que nem nome têm. Por isso também é que parecem tão íntimos e únicos. Falta-lhes o nome para parecer que existem de fato. Ficam parecendo ilusões, se perdem na incapacidade de comunicarmos para nós mesmos ou para os outros o que foi sentido. Mas também, se tudo tivesse nome, o que faria a arte?
Uma vez formei a idéia de escrever um conto/romance em que não aparecesse nomeado um sentimento. Todos eles seriam transmitidos de outra forma, com vários nomes sobrepostos, descritivos, dando uma dimensão real, precisa e imprecisa do que sentimos, quase como As ondas da Virgínia – no caso dela fluxo de consciência, no meu seria fluxo de sentimentos.
Coisa sobre a qual eu gosto de escrever e acho que pode ser a maior razão de ser da literatura: as sensações. Acho que formei essa opinião de tanto combater a idéia das pessoas de que é melhor “assistir o filme” a ler o livro. Ou de que a literatura é uma arte menor que as artes plásticas e a música, pois está cheia de palavras e por isso entranhada de argumentos do mundo palpável, dos significados. Mas tudo, meus amigos, a semiótica mesmo diz, está entranhado de significados, mesmo meu gosto por acariciar as folhas das árvores e das plantas enquanto caminho. Isso me angustia, o significado por trás de uma simples busca de sensação... O racional sempre permeando o sensorial. Há significados, mesmo nas artes plásticas e na música. E eu me recuso em ir ver uma exposição enquanto não for capaz de apreender o significado.
Mas, voltando ao que dizia sobre minha opinião de que a literatura deve ter como primeiro dever transmitir sentimentos e sensações, é por isso que prefiro os textos mais psicológicos. Sensações podem ser passadas num filme, podem ser interpretadas por um ator, mas nunca com a riqueza de detalhes que a literatura pode dar. Como a palavra melancolia, que sozinha vale por uma música inteira pois tem nela todos esses significados, todas as nossas lembranças. Pensamos através da linguagem, nos unimos através da linguagem e dos sentimentos. Como no Quarup está escrito que o Amor nos une a todos, pois todos sentem que desfrutaram igualmente desse sentimento. A palavra, o significado. Mas o significado íntimo que cada palavra terá para cada um. Se se busca algum pouquinho de originalidade, era o que devia ser feito: dizer como é que se sente a tristeza, como é que se sente o amor. Como é que se sente as coisas do mundo. Para isso, me desculpem, mas eu deveria permanecer no erro de ser autobiográfica ^^. Pois só posso adivinhar os sentimentos dos outros baseada nos meus próprios sentimentos. E, no fim, descobrimos que, apesar de parecerem tão íntimos e tão nossos, nossos sentimentos são todos tão semelhantes. A sensação que corre o meu corpo quando o vento toca a pele é a mesma. Única, própria, individual e universal ao mesmo tempo. É o que nos toca como magia na arte, afinal (será que é porque nossos sentimentos são aprendidos por imitação, como eu dizia ao reparar minha irmã aprendendo quando e porque deveria sorrir?).
Sinto às vezes que nasci para o curso de Letras. Sempre gostei das palavras, de pensar sobre elas, de me questionar sobre elas. Assim como nasci para a filosofia, mas para essa menos. Eu já disse isso aqui, isso eu lembro, eu perguntei pra professora da primeira série de onde apreendíamos o significado da primeira palavra se não sabíamos uma outra palavra antes. Sabem, como a questão do que veio primeiro. Seria apenas apontando a mesa e dizendo “mesa”? Mas e os sentimentos? Outra dúvida (ou coisa que questiono) que tenho até hoje é sobre o que compõe os pensamentos. Dizem que eles vêm da linguagem e eu comprei a idéia porque eu realmente valorizo muito ela, palavras são meus ídolos religiosos. Mas eu lembro de muito pequena, quando não tinha ainda perscrutado minhas próprias idéias, na primeira vez que me questionei, de ter entrado num mundo, desbravado um emaranhado escuro sem substantivos, apenas uma fumaça, mais ou menos o estado cerebral primitivo do Alberto Caeiro. Era como se eu sentisse e pensasse sem usar palavras pra nomear nada, como se só houvesse o instinto puro. Como se eu fosse a Baleia do Vidas Secas – sem saber palavras, mas interpretando o mundo de alguma forma.
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