Há algo nos livros, nos filmes e nos sonhos que não tem na vida: um propósito. Enquanto nos livros mesmo as coisas mais pequenas se revestem de uma grande finalidade, na vida ocorre justamente o contrário. Às vezes sinto que viver é uma suspensão entre um sonho e outro e não o contrário. É a realidade que é irreal.
Os sonhos não tem exatamente sentido – mas eles não precisam ter: há uma verdade clara por trás de tudo de que algo está acontecendo. Já a vida consiste em atos vulgares desprovidos de qualquer significado. A vida é arrumar uma cama, é varrer o chão, é corrigir provas, é pegar um ônibus... e toda trajetória, por mais concreta que seja, parece desprovida de destino. Não é que a vida não tenha um sentido, porque ela, ao contrário dos filmes e dos livros, tem todos os 5 sentidos da percepção. Embora minha vida pareça flutuar no vazio sem significado e sem destino, algumas coisas ainda me prendem ao chão: é o ronrom da Christie no meu pé, são os pelos fofos da Minerva na minha mão, é o Eros enrolado no meu corpo. Tudo isso me parece muito vívido e o mais real da tal realidade... E, sorte a minha, está ao meu alcance quase 24h por dia (o que algumas vezes parece até pouco, porque vivo cada segundo correspondendo-o ao próximo segundo que será sem carinho). Porém isso tudo me acostuma mal como um vício. Estar nesse mundo de sonhos, imaginações e amor destitui todo o resto de graça. Todo o resto é concreto cinza sufocando a paisagem.
Pensando concretamente – dando a pincelada cinza que falta no que eu disse –, tudo isso se explica porque meus ideias viraram pedra. Sempre me disseram que ser idealista era uma grande burrice, e eu estou ciente disso, mas não posso evitar. Meu trabalho é algo extremamente frustrante. O que eu sonhava era levar sentido, mas na verdade eles que me preencheram de vazios. Pensei em transmitir meu encanto pela palavra e seus mil significados, mas eles a silenciaram, cortaram pela metade, encheram tudo de um etc. sem futuro algum. Há incompreensão e ruído. E só me resta um grande senso de responsabilidade e obrigação – o amor se vai. Não há encanto (mas eu preciso imitar um para que tudo não se torne ainda pior). E, ironia do destino, eu sou péssima em encenar coisas, ainda que eu ame o fictício. Sou presa a um senso muito restrito de verdade, que só se alarga para convencer-se da mentira que vem de fora. A mentira não pode ser minha, já falei do meu compromisso com a verdade. Afinal, eu não sei mentir... e também não quero aprender. Eu sou uma viciada. Eu não quero inventar uma farsa por medo de acabar um dia vivendo uma. A outra ironia é que, de alguma forma, eu vivo então na omissão. Por não poder mentir e por não ter mais uma verdade possível de ser dita, eu me escondo. Eu me omito.
Um comentário:
Nossa...o seu texto parece de mangá que estou lendo chamado What a Wonderful World!(se vc quiser dar uma olhada tem no site Fuji Scan),do Inio Asano.
Eu me sinto um pouco como vc,vivendo a vida sem saber pra quê,e só não saio desse mundo porque sentiria muita falta das pessoas que amo...
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