Ser demitida foi uma dessas
situações de perda da minha vida que me fez perder o chão e me sentir um lixo,
mas não durou muito. Como das outras vezes (só que dessa vez foi mais rápido,
devido a experiência que tive nos outros episódios), logo percebi que esse era
o início de algo bom.
É engraçado como quando as coisas
estão indo mal eu fico muito deprimida, mas quando uma tragédia acontece,
quando era de se esperar que eu pulasse finalmente de um prédio, dado o drama
que eu faço nos menores copos de água, eu fico de repente muito esperançosa e
otimista... É quando eu perco algo que eu percebo que no lugar abre uma vaga
pra eu ganhar algo novo, e que o novo pode ser ainda melhor. Ou, como no caso
do emprego, apenas não tão ruim.
Pelo bem da verdade, eu
praticamente me demiti dessa vez. Eu tava muito mal e isso ficou evidente
demais pra direção que não quis apostar numa professora a beira do colapso. Não
os culpo e até os agradeço. Foi um favor. Eu não ia me demitir, eu não queria desistir.
Eles fizeram por mim o que eu não tinha coragem, mas precisava fazer.
Eu sei que desistir não é das
coisas mais veneráveis, muito pelo contrário. Eu sei que eu sou uma desistente.
Eu me imponho metas muito distantes em prazos muito curtos e por não conseguir
correr além das minhas pernas desisto. E sei, eu aprendo (pode parecer que não,
mas aprendo), que eu precisava mudar esse padrão. E pensei em fazer isso com
esse emprego, mas... bom, não aconteceu. Quando penso que posso continuar
tentando, eu penso: ok, podemos, em outra escola, de preferência, mas eu já
cheguei à conclusão mirabolante, assustadoramente desconhecida pra mim, de que
não é isso que eu quero fazer. É chocante. Porque eu sempre me gabei em dizer
que eu sempre quis ser professora. Desde a quinta série eu decidi ser
professora de português, especificamente. E, de repente, eu mudo assim de
ideia, em seis meses de uma experiência ruim... pode parecer duvidoso, pode
parecer desistente, eu mesma desconfio de mim. Mas não muito.
O que me fez pensar foi a
terapia. Minha analista perguntou: o que em sua professora da quinta série te
fez querer ser professora de português? E eu lembrei: o fato de ela ter passado
livros para a gente escrever. Foi quando fiquei maravilhada com a possibilidade
de ser... escritora! Não professora, escritora! Onde entra professora nisso
tudo? Foi sempre um condicionamento da minha mãe. Acho que ela mesma queria ser
professora, mas não sendo, me comprou lousa, me dizia desde sempre que eu ia
ser professora. Ela não me forçou, não é isso, mas implantou a ideia, digamos
assim... E finalmente eu tomei coragem de bater de frente com essa certeza e
questionar: mas é isso mesmo que quero fazer? É isso mesmo?
Eu sei, eu já disse que desisti
de escrever para ser professora, o que é um contra-senso, eu já expliquei isso
tudo... Ser professora não é fácil. Você é cobrado pela escola, pelos pais,
pelos os alunos todo santo dia. E lida com as situações mais embaraçosas. Eu
não estou desistindo porque acho que não seria uma boa professora. Sei que não
existe dom, existe persistência, aprendizado... mas é isso mesmo o que quero
aprender até ficar boa? Sem contar que enquanto eu for uma má professora,
convenhamos, eu vou sofrer tudo o que sofri nestes seis meses? Bom...
Tem muitas coisas que sempre me
encantaram na ideia de ser professora, dentre elas poder educar as pessoas para
construir um mundo melhor. Isso era o fundamental, aliás. Atualmente eu venho
me sentindo desencantada, com essa ideia de que pessoas éticas não se formam pela
escola, pelos pais, mas por puro e mero acaso. E ainda que não seja, eu não to
a fim de discutir pelo resto da minha vida certo e errado, bom e ruim, como se
eu tivesse certeza disso... Não tenho. E não estou dizendo que parei totalmente
de lutar por algo ético, de ser ética, mas não quero mais viver minha vida na
função frustrante de mudar o mundo, de mudar pessoas, por meio de manipulação
de ideias – porque desculpe, mas ser professora é saber manipular. E se ainda
por cima existe na gente um grande vazio existencial, daqueles que diz que a
vida não faz sentido, pra que tanto esforço com ética, educação, etc.? O mundo
vai continuar cagado e eu estarei morta.
Eu cheguei à conclusão hippie e
tola, mas sincera comigo mesma, de que o que eu quero mesmo é amar e ser feliz.
Se a minha vida não tem sentido, esse sentido eu não vou construir
artificialmente com ideais de mundo que eu sei que nunca se realizarão. O
sentido está, afinal, em ser feliz. Não hedonisticamente, mas tampouco
estoicamente (e estou usando essas palavras no sentido mais pobre). Eu quero
ter uma vida tranquila e feliz. Eu não quero mais ser a melhor professora, a
melhor escritora, a melhor em nada. Ou melhor, eu quero ser a melhor em viver
(desculpem o pieguismo e a autoajuda)... Eu decidi que quero um empreguinho. Eu
quero trabalhar pra viver melhor. Pensei em trabalhar numa livraria, numa
biblioteca, em algo que não seja atender dezenas de pessoas ao mesmo tempo e
que, se possível, me leve a lidar com elas, mas não em situação eterna de estresse.
Continuo admirando professores,
médicos, todos que se esforçam muito e amam isso. Mas eu, sinceramente, não
amo. Não sou competitiva o suficiente, ou, se sou, compito comigo mesma e
surto. Não quero isso. Eu quero ser tranquila. E quero voltar sim a escrever,
fazer algo de significativo, mas sem pressa, sem grandes esperanças, sem medo
de falhar ou de acertar. Será que isso é possível?
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