Embora seja uma conclusão
sensata, eu não consigo crer que minha resolução de desistir de carreira seja
simplesmente pelo fato de uma má experiência.
É verdade, antes eu gostava muito
de dar aula, não minto. É verdade até que eu sentia muita falta de dar aula
antes, para mim não havia outra profissão mais feliz e necessária no mundo. Até
que.
De alguma forma, quando tento
explicar pra mim mesma os atrativos em dar aula e o que se perdeu agora... eu não
consigo explicar. Eu não consigo entender. Começou com a sensação de que eu não
gostava mais de crianças. Elas começaram a parecer, ao contrário dos incríveis
seres belos e mágicos que eu enxergava nelas antes, um desastre pra vida dos
pais e do planeta. Se crianças não têm atrativos, imagine então adolescentes!
Pelo menos crianças têm uma pele boa. E adultos são ainda mais complicados que
adolescentes e crianças juntos, e eu me sinto muito indefesa perto deles. Terminou
que eu realizei que não gosto de pessoas, de uma maneira geral, sequer a
humanidade parece assim tão interessante como eu achava antes a ponto de querer
salvá-la a todo custo (e diga-se de passagem que não tem salvação). E, embora
isso pareça um vislumbre muito negativo das coisas, eu aprendi, como disse
antes, que isso encerrava algo muito de bom: a possibilidade de ser feliz por
mim mesma, não pelos outros, pelo mundo, pelas crianças, etc.
Adicione a isso a segunda percepção
negativa da coisa: eu vi muita gente no meu curso de Letras desistir do curso
nos primeiros anos. Na verdade, a grande maioria dos meus amigos da graduação
odiavam aquilo. E, olha, eu não poderia dizer que discordava. O que me manteve
até o fim foi a persistência, o gosto por estudar o que quer que fosse e a
vontade tenaz de ser professora. Pouco depois de iniciado o curso eu já sabia
que não fazia Letras porque amava língua portuguesa, linguística, teoria literária
e coisa do tipo, mas porque queria dar aula. Eu não tive o menor interesse de
manter meus estudos depois da graduação, o único momento em que isso me pareceu
interessante foi quando disseram que eu poderia ir pra outro país estudar...
mas mesmo essa ideia me fugiu da cabeça quando eu vi que podia ser babá no exterior. Pensar em ler a
literatura acadêmica da área e escrever algo sobre sempre me deu embrulhos no
estômago... Mas tiveram coisas boas no curso, com certeza. Refinei minha
leitura (embora tenha adquirido horror a livros, assim que terminei a
faculdade, mas isso passou) e eu gostava de algumas aulas de literatura, análise
do discurso, prática de ensino e sociolinguística. Sociolinguística foi muito
importante pra eu refletir sobre elitismo e por outro lado dobrar ainda mais minha
aversão por gramática, o que é um problema: eu não consigo decorar as regras da
gramática normativa, e até onde eu sei até o Bagno acha que, como professora,
eu deveria saber. Mas não sei. E detesto. Acho uma das coisas mais tolas que a
humanidade criou. Ficar se preocupando com isso, viver disso é no mínimo... deprimente.
É até bizarro que na mesma disciplina em que você trabalhe esse tipo de coisa
você ensine arte, literatura. Ninharias e regras ao lado de liberdade e transcendência.
Uma vergonha. Por sorte transformamos o ensino de literatura em ninharia e
regra também para não ficar tão destoante.
Então somem uma coisa a outra.
Enquanto isso, eu fui vendo
pessoas desenhando, escrevendo, tocando, cantando, dançando incrivelmente e
ficando com uma enorme inveja. Eu queria fazer cada uma dessas coisas, mas
sabia que enquanto eu tivesse aulas para dar tudo isso ficaria em segundo plano
e eu nunca iria fazer nada direito. Entendam, eu não sou a pessoa mais
multitarefa do mundo, ainda mais se me exijo tanta perfeição no que faço... Mas,
mais do que tudo, comecei a sentir que em lugar de mudar o mundo com ética eu
queria mudar o mundo com estética. Que não há nada comparado à sensação
transcendente da beleza, que nada comunica tão bem, tão libertariamente, tão
pacificamente quanto a arte, e que a linguagem que me interessa mesmo é esta sem
interesse de convencer, mas que envolve e compartilha um mundo, que transmite
uma ideia pelo debate mais honesto das almas... Entendem? Eu me preocupo
demais. Eu não sou do tipo que comenta uma desgraça, uma injustiça, como algo
de passagem, mas como algo que me fere, que me deixa impotente. Eu não quero
mais me sentir sempre frustrada, e eu quero mais é me alienar dessas preocupações
terrenas, sem deixar de lidar com elas, matando-as pelo que posso fazer de bom,
e não mudando as pessoas pelo meu discurso externo, mas pelo que eu possa mudar
por dentro delas. Da forma mais efetiva e que eu não consigo fazer em
discursos, porque eu não tenho certeza de nada.
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