Quando eu era mais nova, fui uma vez ao apartamento novo da minha, naquela época, madrasta. Era o apartamento mais bonito que já tinha visto de perto. As paredes todas pintadas com cores pastéis, os móveis claros, batia muito sol, parecia até de mentira, como um cenário de filme. Lembro de comer morango com chantily na sacada, sentada numa mesinha linda decorada com pastilhas, e ela, como sempre, conversando comigo, tentando entrosar. Acho que devia incomodar muito a ela o fato de que, por mais que ela tivesse tentado e gostasse de mim, eu nunca conseguir me abrir com ela, eu nunca consegui me sentir em casa com ela. Não é que não gostasse, nem que não fosse grata a todas as tentativas, é só que eu não conseguia me identificar, ou me sentir à vontade. E também as tentativas dela de tentar me tirar da depressão com metáforas edificantes e dicas de auto-ajuda sempre me irritaram, isso sempre me irritou mais do que deveria. Era uma tentativa bem intencionada, visando meu bem estar, mas que, na prática, me fazia me sentir ainda mais fraca, mais incapaz, mais deslocada. Sempre me senti insultada com esse tipo de aproximação, e minha relação com ela foi a de uma estranha conhecida.
Mas meu irmão adorava ela. Para o meu irmão, ela foi a inspiração que nem nossa mãe, nem nosso pai puderam ser. Ela era bem sucedida, ela era feliz, ela era livre.
Uma vez eu e meu irmão estávamos falando sobre casas. Eu falava que queria uma casa igual a da nossa ex-madrasta, que lá tinha me feito me sentir bem e que a “nossa” casa (da minha mãe e do meu padrasto) era o pior lugar do mundo. Meu irmão concordou e falou dos móveis, que móveis escuros como o de lá, o de mogno, a falta de sol, tudo isso deprimia um ser humano (era uma indireta, eu nunca saía de casa).
Acho que isso ficou gravado na minha cabeça de uma maneira absurda, a ponto de todos os meus móveis não serem apenas claros, serem praticamente todos brancos. É algo de que faço questão. Há muito tempo eu já concluí que sair de casa não é o meu forte, mas que então minha casa não precisava ser “o lugar mais deprimente do mundo”. Eu nem gosto de sol, mas abro todas as janelas bem abertas para que ele entre em todos os cômodos.
Isso tudo foi o que o sonho de hoje recuperou na minha memória. Eu acordei desse sonho meio sem ar, como se estivesse esquecido como se respira, fiquei um tempo acordada, ainda era muito cedo. Fiquei tentando controlar a respiração e dormir, enquanto pensava nisso tudo.
No sonho eu e o Eros tentávamos mobiliar uma sala. Era uma sala grande, retangular, que por algum motivo queríamos entulhar com uma porção de móveis. Queríamos uma sala de estar e uma sala de jantar, e mais 2 ambientes que não sei explicar, tudo nesse mesmo cômodo.
Como sou muito organizada e um pouco mesquinha com isso, pedi para o Eros me deixar tentar arrumar sozinha, e pensei num projeto que ajeitasse cada ambiente em cada canto do cômodo, mas eu tinha um compromisso inadiável – pelo aspecto do lugar em que fui, era a minha terapia – e, quando voltei, o Eros tinha arrumado o cômodo sozinho.
Olhando em volta no cômodo, notei que ele tinha escolhido uma mesa de mogno, igual a uma mesa que tinha na casa da minha mãe. Na verdade era a mesma mesa, e era uma mesa bonita, o móvel mais bonito que tinha na casa da minha mãe, as cadeiras eram forradas com um tecido floral creme, meio rosado, com um florido meio oriental, era bonito. Mas de alguma forma aquilo me confundiu. Eu olhei para o corredor e lá estava a nossa mesa branca, e ver a mesa branca lá no corredor jogada como um entulho me entristeceu, e eu perguntei, me sentindo ferida: por que você escolheu esta mesa e não a outra?
Ele me respondeu: Porque não ia caber as duas mesas aqui e achei que esta combinava mais com o assoalho.
E eu olhei pro chão e notei que era mesmo muito escuro.
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