quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Sobre escrever e trabalho

   Há muito tempo, eu desisti de ser escritora. E com frequência escrevo por que deixei de ser escritora. Este é um desses textos.
   Desde os 11 anos, aproximadamente, eu decidi ser escritora. Até então eu amava ler e devorava todo tipo de livro, e lendo sobre a vida de uns escritores e com o incentivo de uma professora eu me deparei com a ideia: eu também poderia escrever.
   Minha mãe disse que eu teria que ter um trabalho por fora, meu pai só disse que ser escritora não dava dinheiro, e então, nesta idade, eu percebi que escrever não era um trabalho. Mas isso não foi um problema. A verdade é que, se eu soubesse o que é um trabalho de verdade naquela época, adoraria ainda mais a ideia de que escrever não era um trabalho.
   Foi o curso de Letras que tirou isso de mim. Tirou a leitora que havia em mim, tirou a escritora que havia em mim. Eu já expliquei por que ler se tornou menos saboroso: a crítica literária. Talvez escrever tivesse perdido a graça pelo mesmo motivo, mas não foi.
   Ontem eu li a frase do Luis Fernando Veríssimo em que ele dizia que a musa inspiradora dele era o prazo de entrega. Eu poderia dizer que esse, esse sim é o motivo, pelo qual parei de escrever: o fato de que escrever era um trabalho. Não ou pouco remunerado, como todas as profissões pelas quais me interesso. E como todo trabalho, um inimigo da minha liberdade, da minha identidade, como um ventríloquo me segurando e me fazendo falar ou calar na hora em que ele quisesse, e nem sequer as palavras seriam minhas. Isto é que seria trabalhar como escritora.
   Na faculdade minha professora repetia: não existe inspiração, não existe criatividade, só trabalho árduo, que dói, parece fácil? Mas não é.
   Creio que com isso ela queria exaltar os artistas. Pra mim soou mais uma vez como um automatismo, como um absurdo. Se não há prazer, pra quê? Se não é instinto, desejo, explosão, por quê? Por que os escritores escreviam? Para fazer dinheiro? Para satisfazer o ego? Para satisfazer clientes? Seja como for, eu me rebelei contra isso. Eu poderia até entregar provas corrigidas de acordo com um prazo de entrega, mas não algo que acredito que é minha própria expressão, algo que devia ser puro e genuíno, não uma grande farsa capitalista, feita pra seduzir e vender.
   Não que eu não creia que o que quer que eu faça tenha que ser revisto, analisado, criticado, aperfeiçoado. Até frases de facebook eu reviso várias vezes, na busca de deixar mais fluido, na busca de corrigir algum erro. Mas não escrito com um objetivo tão mesquinho.
   A questão é que eu fui parando de escrever.
   E então me indicavam escrever tantas linhas por dia, no mesmo horário, que fulano de tal, grande escritor, fazia assim.
   E em vez de escrever num certo horário, eu parei de escrever em todos. Antes escrever era uma paixão. Mais do que isso, uma necessidade. Eu levantava às 4h da manhã com uma ideia e eu não dormiria se ela não fosse para o papel. Agora, birrenta que sou, eu me recuso. Me recuso a escrever pelos motivos certos, me recuso a compactuar com a farsa de grande escritora, me recuso também a escrever por necessidade, porque comecei a me envergonhar da minha escrita que não é feita pensando em seduzir, mas em entender. Entender pura e simplesmente, eu e o mundo. Buscando uma compreensão, a compreensão da Sumire: “Para que eu pense sobre alguma coisa, tenho de, antes, anotá-la”. Eu sempre escrevo mentalmente, pra mim mesma, construo textos, para entender, para me explicar, para explicar algo. De repente comecei a sentir vergonha disso. Isso não é escrever, é narcisismo, eu concluí.
   A verdade é que eu nunca consegui parar de escrever, como nunca consegui parar de pensar. O facebook virou minha válvula de escape. Por isso sou capaz de ficar horas escrevendo por lá, meus monólogos, meus argumentos, sem precisar pensar em ser escritora, apenas mais uma como todos que estão lá, isso ameniza o sofrimento que se tornou escrever “de verdade”, com função de escrever, com horários, com prazos e arquitetura, com pretensão.
   Eu gosto do que escrevo. E gosto que gostem do que escrevo. E isso dá conta de uma necessidade visceral.
   Mas não é trabalho. Nem pouco nem não-remunerado.
   Mas? Eu disse que não queria que fosse. Mas. No fundo eu queria ser capaz de me render, de me deixar tomar, de ir, de voltar, na hora em que me dissessem, de ser capaz, no sentido que isso tomou atualmente. Vai ver o que sinto é misto de desprezo e de inveja. Eu queria ser produtiva, fazer dinheiro, ser alguém que escreve por obrigação e não se sente submetida, enganadora, falsa, indignada. Ser responsável e fazer parte do mundo dos adultos. Mas é um mundo que me exaspera, pelo qual não quero ser absorvida. No entanto, preciso.

3 comentários:

Caroline J. disse...

Tenho sentido uma angústia muito parecida em relação a desenhar. Antes desenhar era uma ação visceral. Eu mergulhava em meu próprio mundo e colocava no papel meus sentimentos. Agora só consigo pensar nisto como obrigação, em técnica, em dever, em produtividade, e não sei mais quem sou eu no meio disso e o que eu tenho a dizer através dos meus desenhos.
De escrever também sempre gostei e mesmo discretamente sempre me refugiei na escrita, mesmo num blog secreto pra ninguém ler, ou num caderno só pra mim... também isso não consigo pq me pergunto "pra quê?".
E me sinto imensuravelmente vazia.

Anônimo disse...

Algumas coisas gostaríamos de fazer, temos conflitos a respeito, outras, não conseguimos não fazer, simplesmente. Algumas vezes esperamos a autorização alheia para realizar certas vontades e outras vezes, quando a obtemos, rebelamo-nos, sentindo-nos tolhidos. E se alguém te dissesse: "Escuta, talvez escrever não seja mesmo para você". Qual seria o tamanho dessa dor? o quão ferida você ficaria? Você aceitaria? Vou me calar, você sabe o que penso a respeito.

Amanda de Santana disse...

Não sou a pessoa mais produtiva do mundo, na verdade morro de medo de fazer coisas que não atendam à expectativa alheia. Mas não se deixe levar demais pelo que te disseram. Ué, volta a ideia original...Faz por amor, por prazer. Esquece as regras chatas. Crie suas próprias regras. Conheço um cara que vive assim do que ele gosta. Acaba dando certo e ele se mantém. Gostaria de ser assim. Acho que você consegue. Vai e esquece do mundo. Agrada a você, não às regras que te disseram na faculdade... Se não agrega, não funciona. E pronto :)