quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

A Barata

Estava parada atrás da porta achando que nunca iam me achar - isso ensinou nossos ancestrais -, e quando vi a luz se acender, ainda assim, não tive medo. Mas devia ter pensado mais quando vi o vaso sanitário e não deu outra, ela fechou a porta. Me dei conta que eu devia ter pensado nisso antes, estava num banheiro, as pessoas olham atrás da porta, então tentei fugir batendo minha cabeça contra alguma fresta que me deixasse sair, mas isso que foi a maior burrice minha, antes eu tivesse ficado quieta.Ela me percebeu, então me debati mais desesperada ainda contra a porta. Sem fôlego a vi com aquele olhar sádico, demorada, como a demonstrar superioridade a mim - esses desgraçados! -, vinha em minha direção. Corri para o canto da parede, essa estratégia sempre dá certo, o pé não conseguiu me alcançar, aproveitei enquanto ela se recuperava e saí em disparada para o lado oposto, de onde tinha vindo. Havia uma rampa no meio do caminho, continuei correndo e pulei. Fiquei mais aterrorizada do que nunca aquelas senhoras frenéticas e fóbicas ficaram ao me ver - isso porque jamais as tentei matar -, caí do outro lado de cabeça para a baixo, pernas pro ar, sem conseguir me reerguer. Lutei sem fôlego, o pavor me cegava, pode ter sido impressão minha, mas senti até suor, um calor me sufocando por dentro. Foram segundos, vi o sorriso triunfante e debochado de minha condição se aproximar, o pé - era uma havaiana preta, nunca me esquecerei, da cor da morte, pisou em mim. Não a ponto de me matar, mas me machucou muito, enrolou-me numa daquelas coisas brancas que ficam no banheiro e me jogou direto na privada - ainda me restava a esperança de ser na lixeira e eu conseguir me livrar. Ela deu descarga, todo o calor do meu corpo sumiu, fui levada rapidamente pela força da água e logo perdi as forças e o sentido. E foi assim que voltei para cá, nem sei como foi que consegui, mas também jamais recuperei a força nas patas. Nunca desisti de viver, ainda que inválida. E, sabe, valeu a pena, conto aos meus netos e vejo no rostinho deles o deslumbramento e a admiração por mim, me sinto até uma barata inteira e com forças. Se tem uma coisa que eu aprendi é nunca deixar de ensinar às outras, para que não passem pelo mesmo que eu. O cantinho da parede, aprendi com o meu avô, se tivesse ficado lá talvez isso nunca tivesse acontecido.

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