sexta-feira, 14 de abril de 2006

C'est la vie!

Tarde, fim de tarde ou manhã. O vento cinza chumbo, espelhado pelo céu, rolava por ruas igualmente cinzas, vazias e cortantes. Um copo de plástico rolava e batia no muro do canal. Na fachada de uma construção parecida com uma igreja de cimento o vento abria caminho e entrava. No escuro uma máquina fazia um barulho ritmado, garrafas de leite subiam e desciam seguras por mãos mecânicas e várias pessoas uniformizadas se reuniam em volta, também ritmadas. Um cheiro podre subia e, enquanto o vento passava por corpos deitados ao chão, podia-se ver rostos esmagados de sangue pisado, corpos inchados, expostos, comidos em que moscas pousavam abaixo dos olhos desfigurados ou na ponta da boca. Algumas das pessoas em pé tinham rostos também ritmados, outras uma careta de dor desfigurante, os lábios puxados e tremidos, a respiração ofegante e os olhos assustados e dolorosos, às vezes vidrados junto às mãos que perdiam junto o ritmo.
O vento continuava, subia escadas e levantava em vôo papeladas que mocinhas agaxavam insensivelmente para pegar. E nas salas sem portas sentavam-se frente a frente, de ternos e terninhos, homens e mulheres que olhavam um olhar perdido e gesticulavam entorpecidos por um silêncio nauseante. Em uma sala, sozinho, sem janelas, um homem contava papéis ritmado como um ponteiro de relógio pelo corpo todo. Nesse caso o silêncio só não era silêncio porque gritava autoritária uma obrigação de dever silencioso. Preso, o vento ricocheteou pelas paredes e voltou, desceu as escadas, passou pela sala de produção, levantou novamente o cheiro podre, passou pela porta e continuou levando o copo de plástico na rua.

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