segunda-feira, 28 de abril de 2008

Memória de leitura (ou confissões de leitora)

Fale sobre sua história de leitor(a), as experiências marcantes, boas ou más, as influências (de pessoas, ambientes,...)

A professora de Metodologia do Ensino pediu uma memória de leitura. O que me levou a ler? O que eu li primeiro? O que me fez continuar a ler?
Pensando nisso, me vieram várias, várias lembranças (e as confissões auto-piedosas de sempre) o que me fez pensar nisso menos como um trabalho de faculdade do que idéias que eu gostaria de expor mesmo.
Então, o que me levou a ler? Não que eu nunca tenha pensado nisso antes, mas agora eu deveria organizar as idéias.
Acho que me fez ler e continuar a ler foi uma predisposição (não, eu não sou inatista), uma predisposição física, psicológica, relacionado com o mundo que me cerca, é claro.
Acho que sempre tive essa sensação interminável de solidão – segunda contribuição a minha leitura. Eu sempre tive amigos e amigas próximos (vivendo nas casas ao lado), muitos primos da minha idade, nunca estive assim de fato sozinha. Mas sempre me senti sozinha. Isso, eu acho, resultado da minha introspecção – a primeira contribuição a minha leitura.
Sim, é claro, introspecção, característica básica de um leitor, já que ler na maioria das vezes é um ato solitário, mental (totalmente introspectivo) – mas isso é óbvio. A contribuição da introspecção, no meu caso, vai além disso. Ser introspectivo é se refugiar no mundo interior como resultado de uma inabilidade de lidar com o mundo exterior. E leitura (de Literatura, pelo menos) permite a fuga perfeita ao mesmo tempo que nos permite lidar com esse mundo exterior por meio da simulação – um mundo exterior possível para os incapazes de conhecer ele pelo próprio tato.
Claro, essa fuga não está só na Literatura (está na arte em geral, na música, na tv) e nisso (necessidade de fuga) todo mundo é introspectivo – afinal é uma bosta e difícil de lidar com o exterior pra todos, em maior ou menor grau. Ler é uma das maneiras de se refugiar e, se leva tanta fama, é devido a essa existência de um banco vocabular, capital lingüístico individual, ao qual a leitura é grande contribuidora para o enriquecimento. Como a leitura é artificial, necessita de um exercício mental quase “acadêmico”, necessita de educação e tempo livre para distração que pobre que é pobre quase nem sempre tem, ler se torna chique. Então todo mundo elogia leitores, leitores se formam pela vaidade também. E eu sou também vaidosa.
Mas eu fugi do assunto, eu sei.
Estou falando aqui da leitura de literatura porque a outra, a mais pragmática, essa eu quase não exerço de verdade. Não, porque ler literatura é para os fracos e eu sou tão fraca que não consigo conviver com muita realidade – ler literatura exige uma incapacidade mental para o mundo típica da minha pessoa.
Como eu dizia, eu sempre me senti solitária, não importa quantas pessoas estivessem fora de mim... fora de mim. Esse é o problema de sempre: o exterior. O exterior – egocentrista que sou – sempre me pareceu algo abstrato, estranho, desconhecido, e o mundo só faria sentido quando me fizesse fazer parte dele mentalmente. Fictício, mas mais real por entrar na única coisa da qual não desconfio: minha mente. A única coisa que não me é estranha, que conheço, a partir da qual eu vivo.
Então, ler me permite permanecer nessa existência artificial e esquizofrênica; claro, em contrapartida, ler me permite muitas outras coisas (eu estou sendo (eu sou) pessimista e trágica (e patética)). Mas é isso que me faz querer ser professora e passar isso para frente (é tudo o que possuo de fato). Não amo as pessoas o suficiente para dar a elas algo que me seria perfeito, também não sou capaz de odiar elas tanto assim a ponto de dar a elas só algo que me faz mal (o que acabaria sendo paixão demais para coisas de fora). Por amar as pessoas, queria dar a elas algo que me é destrutivo, por não amar a elas, dou também algo que pode ser muito, muito bom. Ódio muitas vezes é mais construtivo que o amor (vide pessoas mimadas).
Mas eu fugi de novo ao assunto, isso aqui não está parecendo memória coisa nenhuma. Vamos logo ao que me levou exteriormente a virar leitora – e o que me fez permanecer leitora.
Eu sempre fui muito sonhadora, sempre afugentada num mundo fictício e perfeito (perfeito por possuir um sentido, uma magia inexistentes no mundo real, o qual é um mundo, como eu já disse, idiota: as pessoas tropeçam, peidam, cagam (coisas que, se ocorrem num livro – e quase nunca ocorrem – ainda possui algo de mágico por ser catártico ou por ter finalidade)). Eu gostava de ouvir histórias de conto de fadas que minha mãe mesma criava, ou as já existentes, lia os textos dos livros didáticos, gostava do sonho na leitura. E, como qualquer criança, gostava de assistir desenhos, filmes, de brincar, enfim, de simular o mundo. Só que, porque minha mãe era de (e nos impôs) uma religião bem fanática e cheia de restrições, muitas vezes ficávamos meses ou anos sem tv em casa (porque a tal religião proibia). Bom, o resultado acaba por se tornar um círculo vicioso: como não me tornar uma insegura introspectiva se o meu mundo era todo cindido por causa da religião? A comunidade relacionada à igreja, com quem eu convivia bastante através de toda a família por parte de mãe, tinha costumes, cultura, idéias, muita coisa profundamente diferentes de todo o resto (amigos, escola, pai e família paterna). O mundo real foi se tornando realmente esquisito, incompreensível, distante. E ler era o único consenso entre a comunidade religiosa e o resto da sociedade: era algo bom ao ver de ambas. Então as indecisões e dicotomias se uniam: escolhi o meu mundo (o dos outros eu não entendia porque eram muitas regras contraditórias). Também, eu sempre tive sede de apoio (vivia insegura pelo fato de que as coisas que agradavam uma comunidade nunca agradavam a outra e vice-versa). Foi isso que me incentivou a leitura. Aceitação, transcendência, redenção (e, claro, não ter tv e precisar de outra alternativa para substituir ela). Fui lendo o que tinha pela casa: o livro didático, os gibis. Quando os gibis acabaram, descobri na estante de casa os livros. Nunca tinha enxergado eles como possibilidade de leitura, nunca vi ninguém lendo eles por perto. Mas comecei, e comecei por uma coleção cor de vinho intitulada Clássicos da Literatura Universal. Não tinha ainda nem 11 anos e lia Dostoievski, Shakespeare e José de Alencar. Fui do avesso porque foi só depois, quando já tinha lido e relido a tal coleção, que comecei a comprar, emprestar. Foi assim que descobri os best sellers, os infanto-juvenis, os romances policiais (meus preferidos). E fui virando leitora, aprendendo a viver com o mundo indiretamente mais do que aprenderia diretamente e, graças à leitura, consegui me livrar das amarras da ditadura religiosa pouco a pouco. Os pontos de vista eram mais abrangentes, mais variados, aprendi a relativizar. Não era, como minha mãe dizia, um simples jogo entre Deus e Demônio no qual as pessoas nem sabiam no que acreditavam. Fui descobrindo o lado bom de outras religiões ao ler livros delas e um de parapsicologia que peguei sem querer achando que era de psicologia. Descobri que Darwin não era tão absurdo como ela dizia lendo O Mundo de Sofia. Aprendi que o mundo era cheio de complicações interiores e que coisas como não poder pintar o cabelo ou cortar, não poder pintar unhas, usar anéis, pulseiras, brincos, calças, manga curta era algo tão imbecil perto de todo o resto. Aprendi a ouvir meus pensamentos mais proibidos. Aprendi a respeitar melhor os outros. Fiquei pessimista demais. Mas de muita imposição unilateral que me sufocava extremamente eu me libertei. Eu devo minha vida e a minha vontade de morrer também à literatura. Eu devo tudo e nada. Minha contradição, minhas idéias.

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