quinta-feira, 8 de maio de 2008

Sobre subnutrição, fome de conhecimento e a dificuldade de aceitar as coisas

Quando eu tinha 18 anos, eu lembro que tinha a cabeça de alguém de 81: meu maior sonho era me aposentar e esperar a morte sentada na minha cadeira de balanço. Todo mundo diz que os tempos de hoje (apocalípticos – sempre falam dele como apocalíptico, dá a impressão que daqui a 5 anos o mundo se explode), todos dizem que a sociedade ocidental e capitalista vive numa aceleração do tempo. É o clichê da definição da nossa época: “vivemos contra o relógio”. Deve ser verdade, clichês viram clichê por algum motivo (ou, ao contrário, eles parecem ter razão porque são repetidos demais?). Quando vejo um vídeo de quase cinco minutos sobre procrastinação, fico pensando que hoje em dia, a gente só tem tempo pra tomar um chá, cortar a unha, olhar pela janela, ver tv ou ler um livro por diversão porque procrastina. Eu só escrevo agora porque procrastino... e é claro que esse post não é importante, mas por que deveríamos só fazer coisas “importantes” (o que quase sempre é algo que nos dá algum retorno em dinheiro)?. Sempre: porque o mundo é capitalistamente selvagem. Claro, nada pode ser inútil mais nessa vida, saudade que sinto da minha época de dona-de-casa com belos vestidos na época vitoriana com meu marido se esbaldando num cabaré enquanto eu leio preguiçosamente numa cama – pelo menos poderia haver algum tempo para o ócio criativo. Dá impressão que o pessoal era mais culto naquele tempo, eles tinham o tempo pra isso.
Isso me lembra também uma aula em que o professor falava sobre livros e livros e livros e livros que eu não li – e isso sempre me deixa aborrecida comigo mesma: eu fico pensando que estou perdendo boa parte de uma visão do mundo encerrada nesses livros que ainda não conheço. Fico pensando também o quanto é cansativo viver na nossa época. É tanta, tanta coisa pra conhecer e tanta história... Que inveja de quem tinha menos séculos de literatura pra ler, menos séculos de história pra lembrar. Agora, se não bastasse a quantidade de coisas e coisas que tem atrás de mim, meu tempo cada vez mais pulula informação e coisas pra conhecer. Eu sinto fome, mas não tenho boca suficiente, mãos e tempo pra comer tanto banquete (por isso gosto de conhecer música: sempre há tempo pra música, posso conhecer ela enquanto caminho e enquanto procrastino). Mas tenho fome de conhecimento. E, de fato, em vez de ser preguiçosa e achar ruim ter coisa demais pra comer, deveria agradecer pela oportunidade de ter coisas diversas pra experimentar. Eu acho que vou chegar ao nirvana quando souber muita, muita coisa. Todas as coisas. Mas meus dentes, meu maxilar dói só de ver essa montanha de coisas pra mastigar. Sim, eu sou procrastinadora por excelência. E o remorso por saber que perdi mesmo o precioso tempo organizando coisas por ordem de cor sem motivo algum? Mas voltando ao que eu dizia: tudo precisa ser assim tão otimizado? Nossa vida tem que ser produtiva de verdade? Que necessidade mais idiota pra gastar a vida (frase contraditória, eu sei)...
Entre outras coisas, outro dia eu estava comparando minha vida de solitária com uma vida não-solitária. Desnecessária comparação, afinal eu largaria mesmo o paraíso só pra ficar ao lado de o tempo todo “jogando o tempo fora”. Mas eu comparava sim, eu podia ainda resgatar eu mesma da burrice de pôr tudo a perder por algum milagre. Então eu pensei primeiro na delícia de guardar as coisas nos lugares que eu mesma estipulei. Na delícia de ficar sozinha de verdade, sem temer a presença de ninguém às minhas costas. Na delícia do refúgio. Pensava no auto-controle e individual liberdade de pensamento que há quando se mora sozinho. Olhei pras flores na janela e pensei que não ia ter lugar pra elas assim como pra muitas outras coisas. Eu que cuidei dela tirando todas as folhas murchas, as pétalas feias, vi todas aquelas flores indo murchando uma por uma até ficar tudo sem graça e verde, eu que agora olho todo dia ansiosa pra ela vendo desabrochar aos poucos uma, duas, três florzinhas... antes tinha mais de dez! Nunca mais flores vermelhas contra a janela azul pobre.
(Ia baixar umas músicas, e pensando em termos como indie e folk delicado comecei a pensar: odeio toda essa pretensão, meu deus, ouvi um álbum inteiro da Regina Spektor sem conseguir quase ver diferença entre o som dela e aquele feito pelas pop-adolescentes-americanas, será que as pessoas gostam só porque enquadram nesses nomes bonitinhos?)
Onde eu queria chegar com tudo isso? Bom, todo mundo sabe que a minha vida é sem razão de existir. Eu não viveria só para acumular conhecimento. Eu não viveria só por alguém (embora precise de alguém pra viver). Eu não viveria só por coisa alguma. Realmente, o mundo parece ter alguma utilidade mesmo só se for pra eu sentir prazer. Eu como muito, quase nunca me sinto saciada, gosto dos sabores. Gosto de voltar a pé pra casa pra ir pegando coisas na mão ouvindo música. Hoje descobri uma nova graça que era, em vez de arrancar folhas, ir “quase encostando” nas coisas. Colocava a mão a um palmo da parede e tentava imaginar a textura nos dedos, e conseguia perfeitamente, pela visão delas, sentir a textura de tudo, as dobras, como seria aquela parte sem tinta, aquela parte enrugada, aquela pilastra, aquele metal, o chão. Lembrei de um filme pornô (?) que assisti uma vez que retratava, eu acho, um sexo tântrico. Quer dizer, acho que o ato em si não ocorreu no filme, eu não me lembro. Eu lembro deles primeiro indo fazer compras, deles voltando pra casa, eles indo quaase se beijar, mas chegava a um palmo um do outro, e apenas se olhavam, iam se acariciar, e as mãos não encostavam... Ela de vestido florido. Eles nus, mas sem se tocarem, então ele fazia a unha dela com esmalte preto. Um casal platônico? Não se tocavam, apenas se aproximavam e quase. Voltando pras minhas paredes, eu podia quase sentir a textura e era muito melhor que sentir de fato a textura. Imaginar me fazia querer tocar, meu coração batia mais forte com vontade, eu não cedia e a imaginação parecia saciar tudo de uma forma nova. Sentir o mundo pela mente.
Eu comecei esse post, na verdade, angustiada por descobrir uma pessoa que quando tinha 12 escrevia melhor que eu agora com 21. Me senti desanimada e insegura, senti que não sou nada, que podia melhorar muito. Mas que seja, o objetivo era, justamente, me consolar construindo o argumento de que pra viver não basta conhecer.

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