quinta-feira, 22 de maio de 2008

Sobre a vida que não tive e a vida que tenho

Eu nunca bebi até cair, eu nunca tive ressaca no outro dia. Eu nunca pulei carnaval nua numa sacada, nunca tentei me equilibrar no parapeito estando completamente tonta e sem reflexos. Eu nunca joguei bombinha dentro de carros. A única vez que transgredi, transgredi de forma caseira – porque dormi na casa do namorado quando já tinha meus 17, 18 anos. Das vezes que apanhei ou discuti, não era porque passei muito tempo fora de casa, voltei tarde, não disse onde estava... Isso nunca aconteceu. Eu estava discutindo religião, atitudes, estava discutindo regras, deveres, direitos, posturas. No resto do dia ia ler deitada no sofá em frente à janela ou falar com meus amigos pela internet. Eu sou uma nerd (no pior sentido) verdadeira.
Eu nunca gostei de tudo isso. Das vezes que tentei, me senti atuando muito mal em uma peça idiota. Lembro da primeira e quase única vez que fui num “show/balada”, em Praia Grande, com a Stephânia e a Dani. A Stephânia, olhando agora de longe, era uma amizade em que eu queria ser como ela e ela em algum aspecto queria ser como eu. Eu queria ser ela porque ela era bonita, sociável e tinha personalidade. Ela queria ser como eu porque eu realmente era diferente das pessoas, não era uma simples atitude rebelde. Eu sou, na verdade, incapaz de ser igual aos outros, e eu já disse isso.
Mas, voltando a minha primeira balada. Eu fui e a música me desagradava. Eu não queria ficar – eu tinha desses princípios de que seria a única pré-adolescente da minha época que me manteria virgem e pura durante todo o tempo que quisesse, sem a pressão de querer “mostrar pra todos que cresci e por isso fiquei”. A música me incomodava, os passinhos eram ridículos, eu me perdi por causa da luz que piscava e que pra mim era irritante. Nada era divertido. E eu não cabia ali.
Eu podia, como no outro post, dizer que tudo isso era resultado da minha criação religiosa, mas os meus irmãos, criados sob o mesmo lema, sempre se adequaram normalmente a essas coisas como qualquer adolescente normal. Eu acho que eu era assim porque era ingênua e tímida, acho que era assim porque meu irmão me fazia me sentir realmente um ser inferior e diferente de todos.
Mas eu não gosto. Meu deus, eu realmente me sinto uma velha de oitenta anos comentando isso, mas eu sempre sinto um impulso mais forte do que eu quando vou para qualquer festa de dizer “Que som alto, pra que tudo isso? Vocês são babacas ou o quê pra ficarem gastando seus tímpanos gratuitamente?”.
Eu lembro que eu tinha meio que essa regra com a Stê de nunca ficar. Sei lá qual eram os meus mecanismos de pensamento pra pregar essa regra dentro da nossa amizade, eu não fazia auto-análise na época e pra mim isso tinha algo de razoável. Pra nós. Sabe quando amigos concordam? Pois é, amigos sempre concordam... esses amigos inseparáveis, namorados, essas coisas. Uma vez, quando voltei das férias na casa do meu pai, descobri que a Stephânia tinha ficado com um menino lá no calçadão da praia. Me senti traída. Ela ficou entre sem graça e maliciosa dizendo “magiinaa”. Eu não sei se ela me usava de bonequinha ou o quê. É possível, eu era mais retardada ainda na época e ela era mais aguçada. Porém, acho que desde essa época me ficou o resquício de que, quando fosse pra transgredir algo, seria de ordem mais ou menos sexual – bastava ficar com alguém e pronto, eu estaria traindo uma ordem de coisas, uau!
Quando a Stê me trocou por outra amiga e descambou totalmente do meu ponto de vista virando funkeira (imagine, meus deus, se éramos contra ficar, baile funk jamais, certo? Perdi uma amizade moralistamente, mas também, era uma conversão, minha amiga não era mais a mesma, grande desilusão perceber que as pessoas mudam).
Bom, voltando ao eixo real do post. Eu nunca tive uma vida social e cheia de coisas pra lembrar – vida da qual sinto falta quando ouço esses relatos do Eros, da Bel... mesmo que eles tenham largado essa vida, eles a têm, que coisa, eles viveram algo que eu não vivi.
A segunda vez que fiz algo realmente diferente de algo puramente rotineiro e cheio de boa conduta, foi quando o Daniel me deixou. Tal qual eu disse, desde a época da Stephânia, eu só transgrido na ordem sexual. Quando lá se foi Stephânia eu tentei ficar com alguém por aí. Eu detestei, mas eu tentei. Quando o Daniel me deixou definitivamente, a primeira coisa que eu faria seria essa. Eu fui a festas puramente babacas, nas quais eu me sentia tão feliz quanto sinto... no meu horário de almoço no trabalho, digamos. Fui, pulei, dancei e, claro, fiquei sem motivo algum, sem gostar nem um pouco. Voltava pra casa, percebia que tudo aquilo era muito, muito vazio, e tentava dormir. Isso durou um mês (durou?). E nem foi assim intenso e o tempo todo. Parcas vezes. Logo tudo voltou ao que era, mais uma vez faço uma amizade inseparável, mais uma vez um namorado do qual não saio do lado, concordamos em tudo. Pronto.
Vejam só como minha vida é boba, como se eu fosse uma dona de casa pondo tudo em ordem, tudo muito socialmente estruturado. Mas não é só isso, eu sei. Eu estou simplificando pessimistamente tudo que me ocorreu, por exemplo, nesses dois últimos meses. Eu tenho dessa mania de minimizar tudo, cientificar tudo, até chegar a ficar o mais ridículo. Não sei, acho que eu acredito que os sentimentos são pura abstração sem sentido. Eu os tenho, mas não me guio por eles pra fazer minhas opiniões. Oras, eu tenho esse fetiche por científico – tudo tem que ser provado cientifica e racionalmente, inclusive meus sentimentos por alguém: fica reduzido a puro instinto animal aliado a um intelecto que serve apenas pra nos permitir existir apesar de sermos fisicamente inferiores. Ao mesmo tempo, é óbvio que essas opiniões que eu carrego como verdades irrefutáveis (porque só o que é abstraído do sentimentalismo é verdadeiro, embora eu saiba, também que as verdades são sim relativas, mesmo essas), embora eu seja esse senso-comum positivista e científico, é óbvio que eu me sinto frustrada e infeliz com a vida por ter essas idéias que, meu deus, eu não consigo largar como se fosse religião. Ou acredito nisso ou naquilo, entende? Mas, concluindo a frase, é óbvio que isso me frustra, principalmente porque eu não sou autista nem exata, pelo contrário, sou toda voltada para a humanas, sou toda sentimental e isso me fere o senso estético. “Mas é verdade, e a verdade dói”, diz meu grilo falante científico de longas barbas, olhos duros e frios.
Voltando ao Eros, bom, eu deveria falar dele. Eu irei, claro, se eu não morrer intelectualmente. Ele disse que eu não falo dele. (Eu não falarei dele porque ele disse que eu não falo dele, eu falarei dele pra nunca me esquecer de nada dela – embora eu saiba que não me esqueceria tanto assim). E, então, tem essa coisa de eu esquecer demais as coisas. Como descobri apenas por um post no accela que tinham duas pessoas que haviam me rejeitado e eu não sei mais quem são... (se eu tivesse sido mais explícita...!) Eu esqueço as coisas, mesmo as importantes: eu esqueço. Como eu esqueceria qualquer coisa que eu possa ter tido de boa com o Daniel se não tivesse escrito sobre. É que terminar um relacionamento resulta nisso, eu acho, esquecer as coisas boas e só lembrar das ruins. Talvez como forma de fazer as coisas darem certo da próxima vez, talvez até como forma de dizer que se pode amar mais a outra pessoa que virá já que a antiga só era ruim – mas eu não preciso de um artifício assim. Como eu dizia, escrever essas crônicas totalmente pessoais e insignificante para os outros tem algum sentido sim (pra mim), é o de me fazer lembrar das coisas que eu possa esquecer. Como o caso dos meus alunos, ontem, que choraram na sala de aula. A professora passando slides no data show, sala escura, ela pára e comenta para dois alunos lá no fundo da sala: “Aluno X, pare de conversar com a aluna Y, pode ficar com a mão em cima da dela, mas não converse que atrapalha um pouco...” – isso numa turma de 5a série... o menino pôs as mãos no rosto e envergonhado, acho, ficou chorando por um tempo; a menina ficou um pouco sem graça, mas nem tanto, continuou a mesma, com um sorriso bege boiando nos lábios – tudo seria mais insignificante, mas lá na frente, do nada, um aluno W baixou também a cabeça e ficou chorando por muito, muito tempo. Por quê?
Mas, então, o Eros. Outra coisa que eu estava pensando, dessa vez, na ordem dos sentimentos, é o quanto o Eros é melhor pra mim. E estava pensando, na esteira das comparações de todos esses meus relacionamentos importantes (Stephânia-Daniel-Eros): ele é o que mais me acrescenta mesmo, me faz feliz, sabe? Tá, faz só dois meses ou pouco mais que isso que estamos juntos... e eu posso só estar muito apaixonada e meus sentimentos estarem atrapalhando meu julgamento. Mas mesmo o meu grilo falante científico não diz nada que possa refutar isso, não tem nada: mesmo tirando os sentimentos do jogo, ainda faz sentido. Voltando, com a Stê eu tinha um relacionamento de pura admiração e sentimento de inferioridade – eu era obcecada por ela e por ser como ela –, era uma coisa boba e solitária assim. Pelo Daniel, bom... minha auto-admiração aumentava, por que eu não tinha quase nenhuma admiração por ele (nós só tínhamos muitas fraquezas em comum), era uma coisa débil assim. Pelo Eros eu tenho muita, muita admiração. Eu não quero ser como ele, eu quero ter ele perto de mim e me sinto muito contente comigo por ele me querer também por perto, isso me traz auto-admiração também (nós temos forças em comum). E é uma coisa assim. E é isso, nunca ninguém até hoje burlou o grilo falante como ele. Todos tinham muitos defeitos, mas quando penso nessas coisas, em como somos parecidos e diferentes, em como me agrada estar com ele, em como é mais fácil tomar tão rápido a decisão de vir morar com ele em tão pouco tempo – sendo que eu sempre fui a dona de casa comportada, responsável e racional!... Quando penso nisso, eu fico com vontade sim de apostar todas as minhas fichas para que dê certo, porque tenho certeza que serei feliz enquanto isso durar. Se não der certo... bom, agora que eu conheço ele, acho que tanto faz: tanto optar por estar sem ele por perto, quando desgraçadamente dar errado e ficar sem ele por perto é igualmente ruim. E lá faz diferença?
Vergonha de confessar amor no meu blog. Isso é tão bobo... Além do mais, se não der certo, vou me arrepender profundamente de ainda por cima ter registrado. A quem importa isso? Talvez, vejam só, quando o meu quadro de Alzheimer piorar, e eu estiver nas minhas bodas de 50 anos de casada, Eros (mais caquético que eu, é claro) irá poder me mostrar esse blog pra que eu me lembre. Mas quanto a vocês, podem esquecer à vontade.

Nenhum comentário: