terça-feira, 7 de outubro de 2008

Contruções entre escombros

Como um exemplo-reflexo da nossa sociedade, a Literatura sofreu vários abalos desde o princípio do século 20 até que depois de muitas revoluções a linguagem desabou e foi reduzida às cinzas. Como escritora e pessoa eu me sinto assim, indo na minha casinha simples destruída e procurando erguer um lar no meio dos escombros, pegando uma tábua, erguendo e, ao procurar outra para pôr do lado, a primeira tábua volta a cair e eu fico nessa situação cíclica e inútil como uma idiota obsessiva. Depois de muito erguer a mesma tabuinha, eu olho pra ela e fixo, mas penso: será que ela pertencia a minha casa mesmo? Olho a cena de desolação: os escombros tumultuados de milhares de casinhas todos espalhados por diversas explosões e eu não sei nem reconhecer qual tábua mais é minha.
E a que eu peguei pra fixar cai de novo.
Isso não é só quanto à estética literária, como eu disse, a gente sabe que nossas convicções e valores são as mesmas tabuinhas. Me sinto desolada sem casa. Não estou selvagem o suficiente para ser livre sem um lar, vou para baixo de uma árvore para me proteger da chuva mas me sinto uma indigente ao fingir que é casa algo que não me abriga totalmente – e não me pertence.

Não há muita lógica, por que as auto-ajudas buscam dicas na filosofia oriental se a maior taxa de suicídio (dos países industrializados) é a do Japão? Nem recheado das melhores dicas de como viver bem e ser feliz se vive bem ou se é feliz. Mas alguém me disse há alguns comentários atrás, se não me engano, que não tinha lógica mesmo na filosofia do não-desejar budista. Pois não é sintoma de depressão ficar apático e não ter vontade de nada? Eu disse no post anterior que vivo sem muita vontade de nada ultimamente – e não entrei em nirvana por isso. Se não fosse pelo meu único desejo, acho que estaria minada mesmo – qualquer coisa, menos exultante.

Lânguida. Vulnerável sem um lar de convicções eu sou entre cínica, cética, melancólica e desacreditada. Respondo as coisas mais banais com sarcasmo amargo, enviesado, desafiando o mundo de absurdos com meus próprios absurdos. Eu me sinto uma pessoa desagradável, tentando fazer das frases mais inocentes dos outros um caos de inutilidade. Um menino da classe diz revoltado que os alunos dele confundem ponto de exclamação com enfeite: o desenham caprichosamente e o multiplicam. A professora fala que é devido ao caráter expressivo da exclamação e que era interessante que no espanhol existisse pontos invertidos no início da frase, chamando a atenção desde o início para o fato de ali ter uma exclamação ou pergunta. E eu digo no meu tom mais rancoroso e convicto que, sim, provavelmente o português estava se metamorfoseando para virar um castelhano, por isso os alunos deixavam seus pontos tão evidentes no final da frase, provavelmente em tamanhos gigantes e em cores chamativas, para sabermos começar com a entonação necessária. Toda discussão me parece tola e inútil.
Eu tenho vontade de assoprar as casas dos porquinhos.

Chego uns 10 minutos ou mais atrasada no trabalho e a minha aluna pergunta "professora, você está gripada?". Eu respondo que não, cabeça voltada pra mesa, pegando o diário de chamada para completar com os efes e cezinhos. "Você está triste?". Sorrio pouco convincente entre um c e um f e digo que não. Eu realmente não estou triste, mas meio alheada e distante, quero fazer uma tarefa automática qualquer o dia todo e não conversar muito. Coitada da minha aluna, eu costumo dar mais atenção para ela, mas hoje eu não estou olhando muito pra ninguém. Costumo fingir displicência tão bem para os meus alunos! Até me transformo para algumas pessoas, de forma que elas nunca acreditariam na veracidade de qualquer depressão que eu assumisse. Será que se os pais dos meus alunos descobrissem meu blog e se deparassem com o fato de que eu, no fundo, sou maníaca depressiva a escola me mandaria embora? Será que eu sairia em manchetes de jornais? Algo como "Professora é demitida por escrever lamentações quilométricas"?

A única coisa boa, boa mesmo, é acordar ou ir dormir. Entre o edredom e os braços do Eros eu fico enleada contra o mundo e, finalmente, abrigada. Como deve se sentir um bebê no meio das várias roupas e mantas de flanelas. O corpo do Eros enrolado no meu é da mesma textura de uma esponja de pano e pele quente, a boca pequena e úmida quando me beija me refugia inteira para dentro de um mundo de estopa. Se acordar com o pé direito ajudasse a gente a encarar o mundo todo direito, eu viveria endireitada.

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