terça-feira, 28 de outubro de 2008

O deserto

Há muitos dias um homem tinha se perdido de sua caravana, no meio do deserto, e seguia seu caminho sob um sol escaldante sem nunca encontrar nada além de enormes dunas de areia. Já havia algum tempo e ele tinha bebido a última gota de água que lhe restava no cantil, agora sua boca ardia de tão seca, mal podia mover a língua e todo seu corpo pesava molemente sobre seus pés. Se antes buscava por um rumo qualquer em direção a uma cidade, agora todos seus esforços se resumiam apenas em encontrar água. Na sua boca não havia nem mais a saliva pastosa de um dia atrás, sentia-se todo quente e ressecado, sentia-se murchando, a pele rasgando-se debaixo do sol forte. Ele delirava, via enormes jarros de água, sonhava com o toque frio dela, confundia o céu com uma fonte, as dunas se desfaziam na sua frente dando lugar a um oásis que ele descobria ser só mais uma grande extensão de areia. Areia e mais nada. Areia e seu desejo atormentador por saciar sua sede. Areia, areia... de repente reunia forças, corria, mas nunca chegava a nada. Sua boca, totalmente ferida, em carne viva, queimava. Sua garganta doía e ardia como se ele houvesse engolido areia. Areia, ele se sentia todo feito de areia. Seco.
De repente, lá longe ele viu um oásis. Mais um sonho? De qualquer forma, seu desejo era já instintivo, recusava a menor hesitação, correu em direção à fonte de água – e não era apenas mais um sonho. Era água! Água fria, água até mesmo gelada, escorria pelos dedos, molhava o rosto, entrava pela boca adentro fazendo um caminho loucamente refrescante até sua garganta... e parava. Doido, ele quase sufocava na tentativa de engolir a água avidamente, porém a água não descia, emperrara como se houvesse uma barreira. Uma barreira de areia? Ele sentia como se fosse, e fazia movimentos espasmódicos na tentativa de engolir a água, seu desejo era desenfreado, a água brilhava ao sol, pequenas gotas espirravam por tudo, as pedras eram frias, a água era gelada, o homem enfiava a cara dentro da água, sorvia para dentro da boca... e nada. A água parava no meio do caminho. Gelada, convidativa, líquida, saborosa, despertando o desejo. Ele tentava engolir, urrava de tanto esforço, mexia a boca, mexia a língua, a água escorria pelos cantos da boca, molhava sua roupa, ia para o chão. Nova quantia de água, o homem sufocava, mexia toda a boca e urrava de desespero com a boca fechada, quase engasgava, mas nenhuma gota entrava pela sua garganta, apenas sentia o desejo aumentando, sua boca molhada, seu corpo molhado, a água fluindo para fora do corpo.
Depois de muito esforço, sentiu-se exaurido. Olhou para o oásis com o desejo devorador, mas reprimido para além das suas forças. O oásis era cada vez mais bonito, mais sedutor, a água parecia cada vez mais fria, cada vez mais límpida, ondulando sob o céu azul e o sol. O corpo do homem era atraído totalmente pela água, mas a água era repelida por sua garganta e não entrava. Fazia nova tentativa – tentativa baldada. Mais uma nova tentativa e nada. O homem tentou, tentou, milhares de vezes, cada vez mais furioso de desejo, a água cada vez mais atraente, o homem cada vez mais sedento e mais ávido. Mil vezes tentara, cada vez mais entrava no desespero, a água escorria pelo canto da boca fechada, ele começou a chorar sem lágrimas. Chorou como criança, chorou aos berros, estapeava a água com as mãos e a água espirrava, esguichava, gelada, límpida de encontro a ele.
Aí então a fonte disse:
"Ah, qual é... agora você vai chorar só por causa disso? Qual é o problema?"

Fim.

Nenhum comentário: