segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Sobre meus instintos caninos

Estava pensando sobre cães, gatos e nós. Eu tenho essa mania de relacionar tudo, tornando tudo metáfora e alegoria pra tudo, mas é a minha forma de entender o mundo, afinal eu sou imaginativa. Quando acordei, hoje, como sempre, não sabia o que fazer com o meu dia. Entediada nata, desinteressada com tudo, nada vale muito a pena, não tenho grandes expectativas com nada, se não tenho um trabalho, ou seja, uma obrigação muito bem delineada e clara, nada me faz muito sentido. A única coisa que sei que vou fazer do meu dia, quando acordo, é que vou querer abraçar o Eros e comer as frutas picadas com iogurte e bolinhas crocantes dele, depois disso fico perdida porque o Eros pega o seu computador e vai ler e eu fico definitivamente sozinha com o meu nada o que fazer. Peguei o livro do Garcia Márquez, mas sem muito interesse parei de ler pouco depois, sem conseguir de fato imaginar uma mulata de olhos de cobra (é, não sou tão imaginativa assim, pelo menos não com imagens). Depois disso, acabo fazendo a única coisa pela qual me sinto impelida de verdade: me enrosco no braço do Eros – única parte acessível do corpo enquanto ele lê – e fico ali sentindo a paz, o cheiro, a ternura e a textura dele de olhos fechados, pensando. Foi nesse momento que eu me vi como um cachorro, deitado aos pés do dono, esperando alguma carícia – com a única diferença de que eu reprimia as carícias dele, pois podiam atrapalhar a leitura. Mas mesmo sendo obviamente adepta ao feminismo, mesmo sabendo que os cachorros são tachados de dependentes, não me senti totalmente mal por ser cachorro, apenas fiquei pensando e pesquisando sobre comportamento dos caninos e dos felinos.
Ser canino é ter hierarquias, ter um líder da matilha a quem se é submisso. Mas não pensei, primeiramente, no Eros como alguém a quem me submeto – ou, pelo menos, se me submeto não é tão inteiramente como um cachorro, que aceita o que vier do dono, seja recriminações, tapas ou carícias. Fiquei pensando que se ser cachorro é ser dependente de carinho e afeição, eu sou cachorro sem o menor arrependimento. Carinhos e afeto são a coisa mais deliciosa que existe nesse mundo, mais do que comida, mais do que sexo – e esse é maravilhoso, eu sei, mas fica ainda mais maravilhoso se vier carícia e afeto juntos, oras bolas, e ainda assim continuo afirmando que carinho e afeição são melhor (a fusão e a completude de um abraço é de corpo e cérebro, o orgasmo é muito mais apenas corpo e a fusão é temporária). Mas pensando pelo outro lado, a de ter um líder, sim, eu necessito de liderança. Nas minhas relações eu nunca lidero, estou sempre ali, fielmente ao lado, esperando carinho, comida e o comando para o que fazer em seguida, para onde ir depois. E a hierarquia é bastante rígida – a revelia do meu controle, inconsciente –, eu dificilmente escolho, eu sei dizer o que eu não quero, mas o que eu quero não é nem questão de saber, eu não gosto de fazer nada que eu não saiba que partiu da iniciativa do líder alfa, que ele, assim como eu, quer e que por isso decide por mim. Tendo pela primeira vez a consciência clara disso tudo, chego a conclusão que era por isso que nunca deu certo meu relacionamento com o Daniel. Ele não era líder. Ele não era nem sequer cachorro. Filho único como era, provavelmente fosse gato, sabia o que queria, mas queria para si apenas, ia e vinha sem pedir licença, ficava preguiçosamente entre as quatro paredes do seu território sem se incomodar, pois era bicho independente, mas dependente de ter um território fixo. O Eros não. É engraçado que eu sou tão cachorro, mas tão cachorro mesmo, que chego a quase ser um personagem do Fruits Basket de tão cachorro que sou. E mais engraçado ainda, pensando em personagens homem-cachorro, eu sempre fui fã deles, sempre me apaixonei por personagens assim, lembro que tinha uma adoração pelo Sírius de longo cabelo, lobisomem, solitário, quieto e decidido. Ria e gostava mais do Shigure do que do Yuki. Chega a ser bizarra e não só alegórica a comparação. E, além do mais, o Eros é tão parecido com o Shigure! Convencido, divertido por isso, e tenho certeza que se fosse cachorro mesmo ia ser um grande cachorro cinza chumbo. Aliás, pensando melhor agora, sempre gostei mais dos meus namorados com barba e de cabelo grande, adoro acariciar o cabelo macio e bonito do Eros. E esse é o meu post mais bizarro sem dúvida xD
De qualquer forma, pensando mais logicamente, eu não poderia ser de outra forma. Minha mãe é uma grande cachorra (xDD), a minha primeira líder de matilha. Vendo como ela age agora em relação ao meu casamento isso fica ainda mais claro. Quer decidir tudo, tem limites e conceitos rígidos e bem determinados, não descansa enquanto não se vê atendida. Eu fui criada e da forma mais próxima possível nesse tipo de relação hierárquica, vendo o meu destino, os meus valores, os meus gostos e desgostos traçados pela minha líder-mãe, sem a menor possibilidade de negar nada do que ela me passava e impunha. E, muito provavelmente, eu até sinta falta disso: de ter o líder que faça as escolhas por mim, me abdicando da responsabilidade de decidir por mim mesma. E ela, igualmente, vê no macho o seu líder alfa, obedecendo tudo de cabeça baixa o que meu padrasto fala. E eu que sempre achei contraditória essa atitude da minha mãe, que de líder passou a completa submissão, agora a compreendo.
E é por isso que morando sozinha eu me sentia livre como jamais me senti morando com alguém! Sozinha eu me tornava minha própria líder, decidia sem medo, tomava as rédeas da minha vida com o maior prazer. Mas é estar ao lado de alguém que tenha algum valor sentimental pra mim que isso se perde instantaneamente, sem que eu consiga controlar esse tipo de reação. Sim, eu estou presa ao meu destino canino, talvez, porque ele é totalmente instintivo. Porém, conhecendo ele melhor, talvez eu tenha mais controle sobre mim, podendo manobrar meus instintos ao meu favor – embora eu reconheça que é praticamente impossível manobrar um instinto, é quase como controlar um reflexo natural do corpo, pois instinto é o reflexo natural da mente.
Por outro lado, se tenho algo a agradecer a esse meu instinto canino, está justamente na minha carência afetiva. Como eu disse ali em cima, dar e receber carinho, pra mim, é a melhor coisa do mundo. E qualquer animal tem em si o desejo pelas carícias, seja cão ou gato – e o cão talvez seja mais aberto e desencanado para ir lá rolar no chão, se esfregar e pedir carinho sem vergonha alguma. E isso eu não acho uma má qualidade, pelo contrário, é o que há de mais adorável nos caninos. Ou talvez nem todos os caninos. No mundo selvagem, os lobos parecem mais frios e contrários ao contato afável – umas mordidinhas aqui e ali no máximo, para não perder a carapaça de proteção contra o mundo arriscado que pede sempre cautela, desconfiança e frieza. É possível que ao viver num mundo muito selvagem aos meus amores, aos meus sonhos, eu acabe virando esse lobo, eu sempre pensei dessa forma. Mas não me recrimino por não ser lobo agora, de que vale a força contra os inimigos se não se tem a agradável fraqueza de se render ao carinho dos amigos? A fatalidade queira que eu nunca tenha que retornar ao meu lado selvagem, afinal, como dizia naquele livro português – embora a analogia fosse outra –, uma vez domesticado, se somos abandonados, não retornamos mais à independência selvagem completamente. Sem ter garras afiadas e força suficiente para sair por aí abatendo caças, provavelmente eu seria obrigada a passar fome e frio, revirando lixo e me encolhendo embaixo de qualquer coisa, numa simulação deprimente de vida selvagem e força – que é mais resultado de abandono e fraqueza.

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