terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Filosofia crônica

Existem perguntas que fazemos pelo próprio sabor da pergunta, não por querer a resposta. É a pergunta que faço em frente ao ventilador: por que o vento me esfria? A pergunta me interessa por si só, porque por muito tempo parecia simplesmente evidente que o vento gelava. E então parece que eu olho para o vento de verdade pela primeira vez. Como se a gente só enxergasse as coisas quando temos curiosidade por elas. É assim comigo mesma (quem sou eu? Quero me olhar, mas não quero a resposta). Prefiro manter a dúvida - que forma um certo ar místico entre nós - do que receber uma resposta técnica e sem beleza. Bonita é a dúvida. E isso os crentes sabem (e não sabem, é inconsciente, outra dúvida - outra beleza para a vida).
Quando eu era jovem e formava uma opinião (eu sei, eu ainda a formo e nunca quero terminá-la) eu tinha sede por uma verdade como a busca por um novo chão, porque o antigo havia sido tirado de mim. Uma vez, enquanto eu lia O mundo de Sofia, meu pai falou pra mim que a verdade sobre a vida e sobre deus não se devia procurar (porque nunca iríamos achar). E eu disse muito convicta que se todos pensássemos assim sobre tudo, a verdade nunca se configuraria - porque tinha que ter uma verdade e para alcançá-la tinha que haver uma busca e uma curiosidade.
Agora eu me abstenho da verdade, compreendendo como meu pai e os outros seres humanos que prazerosa mesmo é a busca, não a verdade. Como o Eros disse de outra forma, deus deve tomar cloridrato de venlafaxina para conviver com a falta de curiosidade.
Por isso, embora minha filosofia seja crônica por pura curiosidade, minha filosofia está mais pra crônica pra me manter na curiosidade. A curiosidade é a droga que nos mantém olhando fixo para o mundo, para as belezas desprezíveis que nos envolvem. Porque toda a beleza vai se tornando deprezível com o costume. E, pelo menos pra mim, não há amor a vida, mas amor pela beleza e pelo prazer. E eu não acho isso menor, vulgar, nem pior do que valorizar a vida em si. Talvez isso me torne a exceção e todo mundo que se excetua goste de ser ela, mas exceção pode também ser grotesca, desumana, desunida e infeliz. E eu sou uma desiludida.
Quanto a filosofia, o amor pela discussão, por degladiar-se atrás de uma verdade, ou o degladiar-se pelos rastros de verdade, essa eu mantenho, mas não amo como a literatura. A literatura, na minha concepção prosaica, é um balé filosófico. É uma busca pela verdade (ou a busca pela busca para os desiludidos) em tom dramático, melódico, artístico em geral, em forma de mentira. Uma mentira mais próxima da verdade ,às vezes (porque eu sou adepta a esse ceticismo). É a filosofia sem o ranço acadêmico e conceitual, é a ruptura moderna, é o onírico e a dessacralização da busca da verdade. É a irresponsabilidade, é o assemelhar-se com o riso da infância.
Enfim, eu acredito na literatura como uma filosofia em tom de chiste, sarcasmo e descrença, tal qual Machado encarnou e concentrou.
Quando eu vejo meu olhar para esse tipo de filosofia, é o tal presunçoso e autocrítico do velho sábio. Como quem quase descobriu a verdade, mas voltou atrás antes de ser iluminado. Talvez por medo da verdade não ser assim tão bonita. A gente sabe que muitas verdades não são assim tão bonitas (e eu sei que o filósofo x já especulou sobre tudo isso). Esse olhar é um olhar magoado, ressentido com a verdade, que sorri por simpes instinto de sobrevivência. Um riso ou uma lágrima?
A verdade é que a verdade me deprime. A verdade é que o mundo é tão complicado... se girarmos o globo pra cá ele pode ser deslumbrante, se girarmos pra lá ele pode ser devastador. Sem meu antidepressivo eu não consigo girar o globo ao meu dispor, não tenho força suficiente pra pilhéria. Encarar tudo seriamente me traz dor, me faz encarar a força minha desilusão. E quando consigo virar o globo me sinto tão forte! (e ao mesmo tempo amedrontada com o fato de às vezes, sem conseguir defender-me disso, meu globo estacar e emperrar do lado ruim). Eu quero e não quero voltar pra casa. Eu nem sei explicar pra mim mesma o que nela enferruja a roldana do meu globo, mas lá meu mundo estaca, finca, fixa completamente. Eu não consigo filosofar, pensar, logo não consigo escrever, dobrar, arrumar, viver, eu vou asfixiando numa rotina enclausurante. Que nem a Heloísa.
Por favor, quando chegar lá, eu rezo para o acaso, faça com que algo apareça e me desenferruje.

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