terça-feira, 29 de junho de 2010

Sobre a morte e a vida

   Creio que a questão mais difícil de se lidar, entre teístas e ateístas, é como lidar com a morte. Talvez tenha sido ela, e não a curiosidade de explicar o mundo, o maior motivo de inventarem – ou desinventarem, se você preferir – deus. Deve ter sido no momento em que perderam alguém que o outro ficou olhando lá seu morto e pensando: como pode isso acontecer? E por oposição pensaram a vida.
   Pois como é morrer se não há paraíso, não há reencarnação, não retorno? Como é não ter mais vida?
   Se eu tivesse tempo pra pensar um pouco antes de morrer eu ia com certeza, mais uma vez, me deparar com o fato de a vida ser estranha, principalmente sendo ela um caso isolado. Seria como a sensação que tive ao voltar pra rua onde vivi na infância, já adulta: as coisas que me pareciam tão altas, a rua tão larga, tão comprida para as minhas pernas, de repente, de uma nova perspectiva, é tão pequena, tão curta, tão gasta, tão velha. Seria a sensação, provavelmente, com a minha morte: a vida que eu pensava ser tão grande, tão certa, tão pesada, tão comprida para as minhas pernas, seria então reduzida a nada. Provavelmente eu ia pensar: então por que tudo isso? só mais uma vez. Mas também ia ser uma questão bem inútil, pequena e já bastante gasta. Vivi, aconteceu. Os que vivem já não importam mais, meus planos também já não servem pra nada. Eu terei certeza que todos os meus esforços só não foram em vão porque eram atrás de um prazer, de ter uma vida boa. E isso não faria de mim arrependida por não ter sido mais hedonista, mais instantânea. Eu saberia que não podia ter sido de outro jeito. Mesmo todo meu trabalho estudando tanto, trabalhando tanto, nada foi em vão. Mesmo ter lutado por um mundo melhor que eu não ia presenciar. Que eu ia precisar, ainda que não fosse presenciar. Nada foi em vão. Minhas discussões bobas em prol de uma verdade, de uma melhoria... Se não fossem essas certezas, essas buscas de larga escala e, talvez, utópicas, que prazer eu teria? Acreditar num mundo melhor – e muitas vezes desacreditar – foi minha forma de prazer, de viver. Claro, agora que estou morrendo assim, vendo minhas ilusões virando pó, podem parecer simples respostas da minha mente ao meu cérebro, ao meu corpo, na sede de perpetuar a espécie da melhor maneira possível – e pra quê? Mais uma vez, porque a vida teria apenas os cinco sentidos e nenhum sentido. Porque eu fui a hedonista esperta, que sabia que os desejos imediatos não saciam toda nossa sede de prazer.
   Esperta o suficiente de não aceitar minha depressão que, ou me mataria cedo, ou faria minha vida realmente ser completamente imbecil, já que todo meu prazer era minado, incapaz de se comunicar nas minhas sinapses, Pois eu não estou dizendo que a vida só tem sentido porque nos faz felizes, ou melhor, nos dá prazeres?
   Eu só não sei se eu sentiria falta dessa vida, ou se aceitaria, assim como aceitei que a vida não faz sentido. Em pouco tempo não me restaria mais nem o poder de sentir saudade, então eu tentaria descobrir antes: a vida me fará falta? Mas, veria, não faria sentido se eu não sentiria falta dali a pouco tempo. Então, já que era assim, acho que a única coisa que eu gostaria era de dizer adeus pros que amo, e mais nada. Bem-vinda ao nada.

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