Brasília não tem um rosto, se tem um rosto, talvez, não tem essência. É essa cidade que foi criada artificialmente e que nunca deixou de ser artificial. É como uma casa que foi construída cômodo por cômodo em quadrados exatamente iguais. Ninguém pensou que um cômodo pudesse ser banheiro, outro cômodo uma sala, outro uma cozinha. Todos os cômodos têm a mesma cor, o mesmo tamanho, os mesmos móveis, o mesmo cheiro. Se você passar um certo tempo aqui e se “acostumar” com a cidade, de repente você vai se sentir sufocado como num pesadelo em que você corre e não sai do lugar. Você anda, anda, anda e é como não sair do mesmo cômodo, já que todos são exatamente iguais. Os que estão aqui há mais tempo (ou pior, a vida toda), se apegam aos detalhes, uma mancha na parede que não tem na outra, uma pessoa que tem lá e nesse cômodo não tem. Como num labirinto bem organizado, com simples coordenadas você vai de um lugar para outro, mas ainda com a sensação de que não saiu do lugar. Não fossem as coordenadas, tudo seria ainda mais o mesmo. Mas logo você percebe que coordenadas não passam de números quando tudo é sempre igual.
Nas outras cidades as ruas têm nomes, uma identidade. Nomes de outros, é claro, mas assim como meu irmão não é meu pai, embora tenha o mesmo nome dele, a rua Marechal Deodoro de Curitiba (a que eu mais sinto falta ultimamente) é aquela rua com identidade própria. Se fechar os olhos você pode lembrar cada detalhe, e como seus sentimentos variavam conforme ia andando por cada prédio, cada casa, conforme os paralelepípedos mudavam. Coisa que eu nunca me dei conta – ou pouco me dava conta – até mudar para Brasília.
Eu imagino como um artista poderia criar nesse vácuo de identidade? Escrever, por exemplo, depende de identidade. Andar pelas ruas era o que mais me fazia criar, era como penetrar em almas – e o que mais a arte faz senão penetrar em almas?
Em Brasília nada tem alma. Os nomes/siglas não denominam um ser particular, tudo é Brasília. O idiota que reclamou do individualismo deve ter nascido em Brasília, provavelmente cresceu com a ideia estúpida de que pensar individualmente era um mal porque tudo é social. Porque em Brasília tudo é, de fato, social. Tudo é parte de um todo, tudo vago e vazio se der um zoom, nada vive sem sua influência total do todo. As ruas não têm identidade própria, são Brasília. Da mesma forma os brasilienses não são pessoas, são a sociedade. Suas crenças, lutas, seus partidos sociais são confundidos com um “eu” que é suplantado, sufocado pelo todo. Aqui as pessoas confundem tudo com social. As pessoas não são artísticas, são engajadas socialmente, são eruditas (e acham que é o mesmo, Alfredo Bosi adoraria). Arte é identidade e aqui quase ninguém tem, o meio despersonalizado, a sociedade determina tudo. Vai ver por isso Behaviorismo é tão em voga na faculdade de psicologia. “Individualidade” aqui é quando você quer fazer muito dinheiro e não se importa com os demais. Não é pensar x ou y. Não é gostar de z ou w. Não existe nem uma certa sombra de sócio-interacionismo, não, TUDO é social. Esse social disforme, sem rosto, com apenas partidos definidos. Não, Brasília tem um rosto. Um rosto só, um rosto conhecido tão bem e tão fácil que enjoa. Não tem é profundidade, não tem é essência. É artificial como uma boneca Barbie com quem ninguém brinca. Só tem por fora, não tem por dentro. E as pessoas não se relacionam direito por aqui porque não têm o que doar, tudo é superfície. A superfície social.
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