quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ser é ser percebido

   Escrever é ser percebido.
   Lembro que, quando pequena, minha mãe já me inculcava com a ideia de ser professora, me comprando lousas pra brincar e sempre deixando clara a minha predestinação. Um dia, lendo um livro, eu descobri, sem querer e num momento de epifania, que existia a profissão de escritor. Naquele momento eu fui correndo revelar à minha mãe, maravilhada, a nobre profissão que eu tinha escolhido pra mim mesma: ser escritora. Minha mãe, sempre boa mãe nesse setor da minha vida, disse: é claro que você pode ser escritora, e também professora. E eu pensei: é... Mas é absolutamente imperioso que eu seja escritora, em primeiro lugar, é isso o que quero ser.
   Pouco depois, no dia seguinte, talvez, meu pai veio buscar eu e meu irmão para ficar com ele, e eu muito contente ainda pela descoberta da minha nova aspiração disse ao meu pai que tinha decidido ser escritora. Meu pai respondeu: professora já ganha mal, agora você quer ser escritora? Vai morrer de fome!”. Aquele soco no meio do meu sonho deslocou pra sempre a profissão de escritora para a categoria de carreira complementar, optativa. E só hoje eu me dei conta que é impossível ser escritora complementarmente.
   Eu sei, você vai me dizer, a maioria, se não todos os escritores, tinham um emprego pra se sustentar. Mas creio que nenhum deles era funcionário público em primeiro lugar e um escritor “se desse tempo”. Todos eram escritores, e o resto era o necessário para se alimentar e continuar alimentando o sonho de escrever.
   E isso me leva para a outra revelação que tive há poucos dias na minha vida: é absolutamente imperioso que eu deixe de viver de acordo com a opinião alheia.
   Foi com um tweet da Rita Lee (sei, isso não é lá muito digno pra se ter uma epifania, mas não é algo que se controle), que dizia que quem se importa demais com a opinião dos outros, se torna escravo dos outros, perdendo o controle de sua vida (era mais condensada a ideia, em 140 caracteres, muita mais bem escrita, mas como não é minha a ideia e eu sou péssima em memorizar, é o melhor que consigo), enfim, foi com esse tweet que eu me dei conta de que eu era uma escrava de opiniões alheias, e que precisava me libertar.
   Uma vez o Eros me citou essa frase filosófica “ser é ser percebido”, que eu gostei tanto e me visualizei tão bem nela que, se gostasse de tatuagens de frases, eu tatuaria ela. Na testa. Eu olho pra essa frase e ela se bifurca em dois sentidos. Primeiro, como eu disse, eu sou escrava de opiniões, como se a forma como as pessoas me percebem fosse a melhor maneira de explicar o que eu sou. Então se me vissem como alguém sem valor, eu me sentiria sem valor; se me vissem bem eu me iluminava e me vangloriava. Por esse motivo eu tinha a necessidade de ser aceita, e se não fosse 100% aceita por todos os seres viventes na Terra, algo estaria errado e meu ser ficaria fragmentado entre isto e aquilo que acham de mim. E algo então estaria muito errado. Não se pode ser e não ser. Mas eu era e sou. Eu era aquilo que achavam, e aquilo que eu mesma achava. Mas o que eu mesma achava ficava em segundo plano, escondido, sendo relevado e sufocado, assim como a carreira de escritora. Porque se eu só me olho por espelho, e o espelho é inexato.
   E foi esse fato que acabou minando por completo minha vontade de ser no melhor sentido de ser que eu sei: escrevendo.
   Quando eu me abri pra pessoas incapazes de compreender e fazer uma autocrítica antes da crítica que me deram um parecer negativo sobre o meu ser, eu fiquei totalmente desmotivada para ser. E, como eu disse, no meu caso ser é escrever. E escrever é ser percebido.
   Eu não queria mais ser percebida – nem por mim, ou mais precisamente muito menos por mim. Pra eles eu era uma ladainha cansativa – e eu quis poupar meus leitores. Eu quis poupar a mim mesma de sofrer trancando meus sentimentos, como “os fortes fazem”. Mas isso não é o que sou. Eu sou alguém que se abre, que só é se abrindo e se mostrando – e sendo percebida (que é o segundo sentido em que aplico à frase).
   Quiseram me fazer crer que me mostrar é errado e eu aceitei, como boa escrava de opiniões. Mas uma escrava rebelde, apesar de tudo, porque eu não sou uma completa idiota sem ser. Pelo contrário, eu sou muito. Sou tanto que mesmo me repreendendo e me escondendo, desde pequena, mesmo assim eu nunca deixei de ser eu mesma, mesmo sofrendo toda a falta de aceitação. Eu não fui crente quando quiseram, eu não fui machista quando quiseram, eu não fui o padrão de beleza que a maioria quer. Mesmo que às vezes acontecesse de eu me desacreditar por pressão dos outros. Como quando, mesmo não acreditando mais em Deus, eu acreditei no que meu padrasto e minha mãe falaram: que minhas opiniões eram desse jeito porque eu estava possuída por um espírito. Por muito tempo eu tive medo de não ser eu mesma, apenas uma possuída. Mas agora eu percebo que sou possuída pelo meu próprio espírito, e não tem exorcismo que me expulse.
   Se um dia eu quiser ser uma artista, eu preciso ser e aceitar o meu ser. Eu e não os outros. Não estou falando de autobiografia – embora eu não consiga ir muito além disso por enquanto, mas eu penso que um músico toca com o ser, compõe com seu ser. Um pintor pinta o mundo que passa por seu ser. E assim é com a escrita, o que somos. E querer ser percebido pode ser uma falta de educação enorme, o mais alto grau de egocentrismo... Mas um ser em arte é o ser de todos. É doar-se para compreensão, e ler, é de alguma forma compreender e compreender-se. E se ser é lindo, porque o nosso ser individual, ao mesmo tempo universal, é lindo, por que devemos sufocá-lo em falsas modéstias, em silêncio comedido? Esse é o tipo de mentalidade que para um artista equivale à mediocridade, ou a um livro em branco.

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