Hoje eu tive um sonho que eu
pensei não significar nada, mas contando pro Eros eu percebi que provavelmente
é uma metáfora muito bem elaborada para minha relação com minha carreira. Adoro
como nos meus sonhos eu me revelo o Chico Buarque da alegoria sensacional.
Descobri uma nova carreira: sonhadora.
Foi assim:
Um dia eu vi uma modalidade de
esporte muito estranha, era uma espécie de snowboard no ar, daqueles que as
pessoas fazem quando pulam de paraquedas, mas esse era sem paraquedas e era
pulando de arranha-céus. Eu fiquei muito deslumbrada porque parecia incrível como
os atletas conseguiam se manter equilibrados sobre a “prancha” sendo que não
tinha nenhum apoio para os pés A prancha ficava totalmente solta, e não havia
nada segurando eles, nenhum equipamento de segurança, apenas a prancha amortecendo
a queda. Me contaram que aquele tipo de esporte era dos mais perigosos, e
muitos atletas morriam, porque as pranchas escapavam dos pés, e eu pensando
comigo: o que leva essas pessoas a fazerem isso? Bom, sempre tem gente que curte
fazer qualquer coisa...
Então alguém do grupo que eu
estava comentou que tinha um apartamento na cobertura daquele arranha-céu e que
nos levaria lá para conhecer porque era muito interessante a vista, que era no
50º andar. Nós fomos. O problema é que o elevador era estranhíssimo, era enorme
e de cimento, parecendo um quarto, e era velho e muito inseguro. Mesmo assim,
nenhum de nós desistiu e lá pelo 18º andar o elevador subiu só de um lado e o
outro ficou emperrado e ficamos totalmente na vertical, quase para cair, tínhamos
que nos segurar em cortinas improvisadas para não cair pelos vãos (porque além
de tudo o elevador tinha vãos)... Por isso decidimos voltar e subir de novo
para ver se desemperrava (como fazemos com um zíper). Sim, nós não desistimos
nem assim. Na minha cabeça eu estava pensando: eu quero ver como é a vista e não
vou desistir, eu já cheguei até aqui e me arrisquei, isso não pode ter sido em
vão. Na segunda tentativa, lá pelo 20º andar um menininho parou o elevador e
ficou tentando nos convencer a não seguir em frente, porque o elevador era
inseguro, e eu fiquei muito impaciente, porque ele estava nos atrasando, e nós
já sabíamos do risco. Continuamos mesmo assim e fomos até o 50º andar, o que
levou quase uma eternidade.
Lá em cima o apartamento não era
nada do que esperávamos (ou pelo menos do que eu esperava). Ele era muito
pequeno e chacoalhava ao menor vento. E para piorar, a vista não me interessou
porque, apesar de ser bonita, se eu abrisse a janela e fosse para a sacada eu
tinha vertigens fortíssimas e tinha medo de cair, então tinha que fechar e
olhar só pelo vidro, o que tirava boa parte do propósito de termos subido lá em
primeiro lugar. A vista até que era bonita e tinha o mar – e eu achei
interessantíssimo ver que de tão alto as ondas pareciam rolar em câmera lenta,
o que me pareceu um instante muito poético, mas fora isso, a impressão de que o
prédio ia desabar a qualquer segundo foi me deixando muito apreensiva, e só de
pensar todo o trajeto de volta, naquele elevador horroroso, eu só queria
terminar logo com aquilo.
Mas ninguém queria vir comigo,
uns começaram a abrir a geladeira, a querer fazer comida, e eu implorando para
descerem logo comigo e pararem com aquilo. Eu não queria descer sozinha. Apesar
dos meus pedidos, ninguém quis descer, estavam todos muito ocupados e se
divertindo sabe-se lá como, porque com tanta gente naquele apartamento pequeno
a atmosfera estava ficando sufocante e não havia prazer nenhum em ficar lá.
Então eu desci sozinha. E a
descida foi também perigosa, mas eu estava muito aliviada por ter saído de lá,
e enquanto eu descia agarrada nas cortinas eu me sentia feliz por pelo menos
estar voltando para a terra, assim como acontece quando estou no avião e ele
volta para a terra.
Pensando bem, esse sonho também
representa muito minha sensação quando pego um avião, e meu espanto pelo fato
de existirem comissários de bordo e pilotos no mundo, mas além disso cai como
uma luva com minha experiência de emprego. Eu não me sinto segura no ar e é um
alívio poder voltar para a terra.
Um comentário:
E tem também a discrepância entre o real e o ideal. O ideal traz uma sensação muito boa (admirar as pessoas que saltam em pranchas e querer ser como elas) enquanto que o real, aquele lugar até onde pudemos chegar, próximo, mas não o bastante ( o apartamento, a janela, os perrengues que só o real revela) causa desconforto. Será que não era preciso SALTAR? (Marla)
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