domingo, 29 de dezembro de 2013

Cacos, trânsito e dívidas


     Hoje vi uma imagem sobre um procedimento oriental de colar cacos com ouro ou prata para valorizar coisas quebradas e uma reflexão sobre pessoas quebradas. Eu fiquei pensando agora que fui demolida e colada, mas não com ouro, algo fraco, um vento derruba e tudo se quebra de novo.
     Desde muito nova aprendi que algo estava errado comigo, esse não era o jeito de se ser, e essa foi a primeira vez que fui demolida. Desde então venho desmontando e encaixando as peças vezes e vezes, mas sempre da forma errada. Eu já não sou mais eu – assim eu nunca fui eu – mas uma massa disforme de peças desconjuntadas, que não combinam. Eu não sei quem sou, apesar dos estereótipos que me crio. Sou apenas os olhos cansados do espelho. Olhos cansados de unir peças que não fazem sentido. Nenhum sentimento é honesto, nenhuma observação é displicente, é tudo calculado de forma que faça sentido. Mas eu sou ruim de matemática, os resultados não batem. Não há sentido nenhum em mim.
     Realinhar os próprios pensamentos exaure, como se dentro da minha cabeça fosse uma casa e eu estivesse de mudança. Os móveis são pesados, quase não se movem, e quando movem ficam no meio do caminho, na frente de outro móvel. É hora de tirar o outro móvel do lugar, mas esse móvel ocupará a frente de outro móvel e assim por diante. Um espaço inorganizável, atulhado de coisas. É muita coisa para mudar de lugar, as coisas se acavalam, eu fico confusa, artodoada.
     Antes de ontem eu pensei que viver com essa depressão é como estar presa no trânsito congestionado: ando um pouquinho e paro, ando um pouquinho e paro. Quatorze anos de trânsito sem saber qual é o destino. Mas eu não quero um destino, eu só quero poder correr livre. Há um caminho, uma saída que eu sempre perco. Pensei em me manter em movimento para não parar, mas eu me obceco, fico em movimento perpétuo – eu não posso parar, eu não posso parar porque quero correr e há muito o que fazer, eu não posso parar, eu não posso lidar com a dor de parar, com essa culpa. Mas se eu corro ou se eu paro, não sou livre. O caminho não está livre. Quando não paro no congestionamento, estou correndo de algo.
     Há mais cobranças do que sou capaz de pagar, estou em dívida. E sempre estarei porque eu paro. Eu sempre paro. O combustível acaba e então a dívida cresce, sempre correndo na minha frente.

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